A decisão da Corte se mostra acertada, evitando que lutas sociais sejam pautadas pela polícia, entre outras instâncias de segurança, além de garantir a possibilidade de convocações e reorganizações orgânicas e mutáveis, próprias da dinâmica das manifestações.
Suspenso desde 2018, depois de um pedido de vista feito pelo ministro Dias Toffoli, o julgamento do recurso extraordinário 806.339 foi retomado, dois anos depois, pelo Supremo Tribunal Federal. O recurso foi interposto pela Central Sindical Conlutas, pelo Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU) e pelo Sindicato dos Trabalhadores Petroleiros de Alagoas e Sergipe (Sindipetro AL/SE) e questionava uma decisão que condicionava a realização de uma manifestação ao aviso prévio às autoridades, e reconhecia apenas o aviso formal.
A ARTIGO 19 ingressou na ação com um amicus curiae (quando uma pessoa ou entidade que não fazia parte do caso inicialmente se propõe a auxiliar o tribunal, oferecendo esclarecimentos sobre questões essenciais relacionadas ao processo) e, em observância aos parâmetros internacionais de direitos humanos, defendeu que a interpretação restritiva do aviso prévio e sua utilização como justificativa para a repressão de manifestações se trata de uma violação a direitos fundamentais, mais especificamente à liberdade de expressão e reunião. Ainda, considerando os argumentos usados pelas forças de segurança para justificar ações repressivas, sustentou que “exigências tais como o trajeto completo de manifestações e o apontamento de um organizador e seus dados pessoais desconsideram a dinâmica atual de boa parte dos protestos sociais no Brasil, revelando-se excessivamente burocráticas, além de possuírem, individualmente, uma série de outros riscos.” Quanto à possibilidade de exigência de descrição dos objetivos de protestos, afirmou que é “desnecessária e tende a acentuar situações discriminatórias e de criminalização de determinados grupos”.
No que se refere à exigência do aviso prévio trazido pelo texto legal, a ARTIGO 19 defendeu que “o objetivo primordial da previsão constitucional relativa ao aviso prévio é cientificar as autoridades a respeito da ocorrência de eventos e permitir que atuem no sentido de garantir o exercício do direito de reunião e dos outros direitos envolvidos na situação concreta”. Conclui que “flexibilizações, como a equiparação das convocações realizadas pela internet, são bem-vindas na medida em que cumprem o referido objetivo ao mesmo tempo em que respeitam a realidade social dos protestos”.
Para o relator do recurso, ministro Marcos Aurélio, haveria a necessidade do aviso prévio formal; o ministro chegou até a argumentar que reuniões públicas não estariam autorizadas a interromper trânsito em rodovias – uma estratégia comum e já consolidada nas lutas sociais. O acompanharam neste entendimento os ministros Luiz Fux e Alexandre de Moraes, ex-secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo e ex-ministro da Justiça. Ao retornar o julgamento, os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli e as ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia formaram maioria na Corte com o entendimento de que não há necessidade de aviso prévio à autoridade competente como pressuposto para o legítimo exercício da liberdade de reunião, garantindo assim a efetivação do direito fundamental assegurado pelo inciso XVI do artigo 5º da Constituição Federal e interpretando seu sentido quanto à obrigatoriedade do aviso.