Em sua 2 ª edição, o evento reuniu diversos atores e pautou avaliações sobre a governança ambiental e climática do Brasil, bem como as principais preocupações no horizonte para defesa do meio ambiente e de seus defensores. A ARTIGO 19 apontou a importância do Acordo de Escazú nesse sentido
Com uma programação repleta de atividades e reflexões que visam mitigar os efeitos nocivos das mudanças climáticas, termina hoje (12/11), a 2ª edição da Conferência Brasileira de Mudança do Clima (CBMC), que este ano abordou temas centrais e desafiadores para o atual cenário: ação climática subnacional, democracia ambiental, justiça climática, proteção de defensores e defensoras ambientais, entre outros. O evento, que este ano aconteceu de forma online devido à pandemia de Covid-19, reuniu diferentes atores sociais – organizações não governamentais, movimentos sociais, povos tradicionais, governos, comunidade científica e os setores público e privado.
Co-realizadora da conferência, a ARTIGO 19 trouxe um diálogo pautado por uma pergunta fundamental: quais são as perspectivas e desafios da garantia ampla de segurança de defensores ambientais no país? A principal discussão do tema está relacionada com o potencial que o Acordo de Escazú pode desempenhar, já que ele é o primeiro acordo do mundo a prever mecanismos específicos de proteção de defensores e defensoras ambientais. O tratado determina ações específicas para os Estados garantirem a implementação plena e efetiva dos direitos de acesso à informação ambiental, participação pública nos processos de tomada de decisões e acesso à justiça em questões ambientais na América Latina e Caribe. Também aponta caminhos para a criação e fortalecimento das capacidades e de cooperação, garantindo às gerações presentes e futuras um meio ambiente saudável e um desenvolvimento sustentável.
Defender quem defende o meio ambiente
“Vivemos em um contexto internacional de profunda violência contra defensores ambientais. Infelizmente, nesse contexto internacional, que é ruim no mundo inteiro, a América Latina e particularmente o Brasil têm se destacado ano a ano. Temos casos históricos de violência extrema contra defensores ambientais desde Chico Mendes passando por Dorothy Stang e tantos outros casos que não se encerram, eles geram processos de continuidade e de reprodução sistemática dessa violência”, destacou Thiago Firbida, coordenador da área de proteção e segurança da ARTIGO 19 durante a fala de abertura.
Para Kleber Karipuna, liderança de base da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e assessor de Projetos da Articulação dos Povos indígenas do Brasil (APIB), é preciso olhar para essa realidade de graves violações contra defensores ambientais de forma cautelosa, sobretudo no contexto de lideranças indígenas e do papel do Estado brasileiro na intensificação ativa desse cenário. Isso porque dados do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), publicados em setembro de 2020, evidenciam um aumento alarmante da violência contra povos indígenas no mandato de Jair Bolsonaro no governo federal, contabilizando 113 registros de indígenas assassinados. “Isso tem a ver com o discurso que temos vivenciado desde quando o governo atual assumiu: claro incentivo e motivação para que esses invasores, as pessoas que cometem esses crimes, se sintam protegidas pelas autoridades governamentais no caso de destruição da vida, do patrimônio e do território de comunidades indígenas”, completou.
A edição deste ano do Relatório Luz da Sociedade Civil Sobre a Agenda 2030, uma publicação que analisa as metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), mostrou que mesmo antes da pandemia de Covid-19 já havia retrocessos nos indicadores de meio ambiente. A análise destacou que do total de 90 metas, 32 estão em franco retrocesso, 17 ameaçadas, 16 sem nenhum dado, 14 estagnadas, 9 com um progresso muito insuficiente e apenas 2 em progresso satisfatório. Os dados são sobre desmatamento, processo ilegal de terras, grilagem, poluição de rios e outros.
“Essa dimensão da violência com relação ao Acordo de Escazú é importante porque com ele temos a possibilidade de garantir mais acesso, tanto à informação quanto à justiça, assim como proporcionar instrumentos de luta global, inclusive contra governos opressores, pois sabemos que o Estado é o maior violador de direitos”, afirmou Claudelice Santos, ativista pelos direitos humanos e do meio ambiente, uma das fundadoras da organização Zé Cláudio e Maria.
Acesso à informação e participação
Para além do cenário de violações contra defensores, a falta de acesso à informação e de participação nas tomadas de decisão torna-se ainda mais problemática diante da pandemia de Covid-19 e das crises agravadas nesse cenário. “A defesa dos defensores de direitos humanos se inicia também no acesso à informação. Quando nos é negado esse direito ou quando é colocado obstáculos como custos para que consigamos esse acesso, a gente vê que está indo mal”, afirmou Solange Teles da Silva, professora da Graduação em Direito e do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).
Em comunicado recente, o chefe máximo das Nações Unidas, António Guterres, mostrou-se preocupado com os impactos da pandemia na região e com a situação dos defensores de direitos humanos. Para ele, o foco na pandemia não deveria resultar em negligência com o meio ambiente e, mais do que nunca, o Acordo de Escazú deve ser implementado. “Ao reforçar o acesso a dados, conhecimento e informação e ao envolver grupos vulnerabilizados, o Acordo sustenta valores fundamentais da democracia e fomenta políticas públicas responsivas”, disse.
O Acordo de Escazú
Adotado em Escazú, na Costa Rica, em março de 2018, o Acordo de Escazú é um tratado internacional que busca garantir a implementação dos direitos de acesso à informação, participação nos processos de tomada de decisões e acesso à justiça em questões ambientais na América Latina e Caribe. Foi assinado pelo Brasil em setembro do mesmo ano, mas ainda não foi ratificado.
Recentemente, o Senado do México aprovou de forma unânime o Projeto de Lei que efetiva a ratificação do acordo no país, tornando-se o 11º país a fazê-lo ao lado de Bolívia, Guiana, Uruguai, Panamá, Nicaraguá, São Cristóvão e Névis, São Vicente e Granadinas, Equador, Antígua e Barbuda e Argentina. Isso significa que, assim que a ratificação for oficializada, o acordo passa a valer na região. O Acordo de Escazú possui natureza vinculante, ou seja, tem status de lei nos países signatários. Também é válida para o Acordo de Escazú a ausência de “reservas”, o que significa que os artigos acordados precisam ser adotados pelos Estados sem exceção.
Co-realizaram o evento junto com a ARTIGO 19: Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB),Centro Brasil no Clima (CBC), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), Fundação Amazonas Sustentável (FAS), FGV/EAESP – Centro de Estudos em Sustentabilidade, Fundación Avina, Hivos, ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade, Instituto Clima e Sociedade (iCS), Instituto Ethos, Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM Amazônia), Observatório do Clima, Prefeitura do Recife, Projeto Saúde & Alegria, Rede Brasil do Pacto Global, Rede de Cooperação Amazônica (RCA), Reos Partners, Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pernambuco e WWF Brasil.
Assista ao diálogo na íntegra aqui. Acompanhe também outros diálogos que marcaram a 2ª edição da Conferência Brasileira de Mudança do Clima.