Ação judicial pela Amazônia e pelo Clima

Em ação conjunta com nove organizações de defesa dos direitos humanos e do meio ambiente, ARTIGO 19 protocola processo judicial no STF para cobrar que o governo cumpra as leis de defesa da Amazônia para conter a crise do clima no Brasil

Constituição da República Federativa do Brasil – Art. 225: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

A ação judicial foi construída coletivamente com as organizações ARTIGO 19, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) , Conectas Direitos Humanos , Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) , Engajamundo , Greenpeace Brasil, Instituto Alana, Instituto Socioambiental (ISA) , Observatório do Clima e Associação Alternativa Terrazul unidas para levar à Suprema Corte um processo contra o governo federal brasileiro, que abandonou, desde 2019, o mais importante plano de combate e prevenção ao desmatamento da floresta, o PPCDAm.

Criado em 2004, o PPCDAm é a mais bem-sucedida política ambiental brasileira, tendo sido responsável pela redução de 83% no desmatamento entre 2004 e 2012 – de 27.772 km² para 4.571 km². Ao deixar de executar o PPCDAm, o governo atinge diretamente os direitos do povos brasileiro e vai na contramão do cumprimento dos compromissos de reduzir as emissões de gases de efeito-estufa para conter a crise do clima.

A ação pede que o STF determine à União e seus órgãos federais IBAMA, ICMBio, FUNAI e demais envolvidos, a imediata execução do PPCDAm para atingimento da meta climática de taxa máxima de desmatamento na Amazônia de 3.925km² em 2021, sendo que, caso não cumprida, devem ser aplicadas medidas mais rigorosas, como a moratória do desmatamento, para atingimento dessa meta em 2022. Aponta, ainda, graves violações a direitos fundamentais dos povos indígenas e comunidades tradicionais, além da necessidade de preservar os direitos das presentes e futuras gerações.

A paralisação total do combate ao desmatamento pelo governo federal fez com que entre agosto de 2019 e julho de 2020, de acordo com dados do sistema Deter, houvesse um aumento de 34,5% nos alertas de desmatamento em relação ao mesmo período do ano anterior. Ao todo, foram 9205 km² desmatados, o equivalente a 1.100.000 campos de futebol. O mês de julho de 2020 registrou 1654 km² desmatados.

Jargão jurídico: a ação judicial é uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), construída coletivamente com as organizações. As partes legítimas para entrar com a ação são partidos políticos, nesse caso: PSB, Rede, PDT, PV, PT, Psol e PCdoB. As Organizações atuam com amigo da corte do processo, trazendo subsídios técnicos para ação.

A Amazônia e o Clima

A floresta protegida é fundamental para conter o aquecimento global, já que absorve e retém carbono por meio da fotossíntese. A imensidão de árvores, rios e a umidade que nela existe são também fundamentais para o regime climático do Brasil, da América Latina e de outras regiões do planeta. É como se a Amazônia prestasse um serviço gratuito para todos nós. Quando desmatada e queimada, ela perde a sua função de absorção de carbono e passa a ser emissora.

Vivemos, portanto, uma crise ambiental e climática e, no Brasil, sua principal causa é o desmatamento. Quarenta e quatro por cento do total das nossas emissões vêm da mudança do uso da terra, conceito diretamente ligado ao desmatamento, degradação florestal e queimadas – eventos intensificados na gestão Bolsonaro, como aponta a ação judicial em questão, e nossas inúmeras denúncias.

Seguindo o que nossa Constituição prevê, é dever do poder público e também da coletividade, da qual fazemos parte, proteger o meio ambiente e preservá-lo para as atuais e futuras gerações. Sendo assim, além de nosso direito como cidadãos brasileiros, é nosso dever exigir e cobrar que o governo garanta os mecanismos de proteção à Amazônia e que combata a emergência climática.

Mostramos aqui e na ação completa as omissões deliberadas e que vão na contramão do cumprimento do dever de proteger a floresta amazônica e o clima.

Violações do governo federal

  • A Política Nacional sobre Mudança do Clima (Lei no 12.187/2009), regulamentada pelo Decreto no 7.390/2010 (substituído pelo Decreto no 9.578/2018), internalizou na nossa legislação as metas climáticas assumidas pelo Brasil perante a comunidade internacional. Em especial, a meta de redução do desmatamento da Amazônia em 80% em relação à média verificada entre 1996 e 2005, correspondente a 3.925 km²/ ano até 2020;
  • Apesar de estar plenamente em vigor, o governo promoveu, desde o início de 2019, a paralisação completa do PPCDAm, com uma série de atos destinados a inviabilizar a execução dessa política pública;
  • As taxas de desmatamento bateram recordes históricos. Consolidada pelo PRODES/INPE, a taxa de 2019 ficou em 10.129 km², 34% a mais que 2018. Foi o maior índice desde 2008 e também a terceira maior alta percentual da história. Em 2020, o cenário caminha para ser ainda pior. O INPE, a partir do DETER, estima um novo aumento de 34% na taxa anual. Se confirmada, o Brasil pode superar a marca dos 13.000 km², ultrapassando em três vezes a meta climática de redução do desmatamento para 2020 (3.925 km²). Será também a primeira vez na história que o desmatamento na Amazônia tem duas altas seguidas na casa dos 30%. A ação questiona o descumprimento das metas climáticas brasileiras.
  • Um dos efeitos imediatos do aumento do desmatamento é a escalada de queimadas – usadas, como mostram pesquisas, para destruir a vegetação derrubada pelo desmatamento. Em 2019, foram 129.089 focos na Amazônia Legal, 39% a mais que em 2018 e 81% maior em relação à média entre 2011 e 2018. Dados compilados pelo INPE até 14 de outubro deste ano mostram 128.420 focos de incêndio na região, 26,5% a mais do que o registrado no mesmo período em 2019;
  • Conforme dados públicos, nos últimos dois anos, apesar dos recordes históricos de destruição da floresta, o número de autuações na Amazônia caiu 61% na comparação com 2018 – queda de 29% em 2019 e 46% em 2020; houve drástica redução de termos de embargo no Brasil, uma das sanções mais aplicadas em caso de desmatamento ilegal: 21% em 2019 e 80% em 2020 (em comparação com o ano anterior). A redução total em relação a 2018 é de 84%;
  • É irrisória a execução orçamentária nas ações voltadas ao combate ao desmatamento na Amazônia em 2019 e em 2020, em níveis absolutamente destoantes dos anos anteriores, o que evidencia atuação estatal contrária à implementação do PPCDAm;
  • A análise do orçamento do Ministério do Meio Ambiente (MMA) de 2019 em três de seus principais programas orçamentários (Mudança do Clima, Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade, e Qualidade Ambiental) pela Controladoria Geral da União (CGU) apontou: “Sensível redução na dotação orçamentária, nos últimos 4 anos (2016 a 2019), para esses três programas temáticos do MMA, passando de pouco mais de R$ 175 milhões para cerca de apenas R$ 20 milhões, ou seja, houve redução de quase 90% em termos de dotação”. Ainda conforme a CGU, os índices de baixa execução orçamentária em 2019 foram os seguintes: 13% em Mudança do Clima, 14% em Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade, e 6% em Qualidade Ambiental;
  • A partir de 2019, o governo paralisou o Fundo Amazônia, que financia parte importante das ações de órgãos ambientais, como o IBAMA, no combate ao desmatamento no bioma. Além de interromper novas doações, o governo não deu destino algum há pelo menos
  • R$ 2,8 bilhões disponíveis para novas contratações; mesmo os recursos disponíveis ao IBAMA, de aportes anteriores do Fundo, estão com baixíssima execução;
  • No ano de 2020, até o dia 31 de agosto, o MMA – Administração Direta havia liquidado apenas 0,4% do valor autorizado para ações finalísticas (destinadas à execução de políticas públicas, como o PPCDAm), totalizando meros R$ 105.410;
  • Considerada a execução até 5 de outubro de 2020 (portanto, já ultrapassado o período “seco” da Amazônia, em que a maior parte do desmatamento e das queimadas já ocorreu), o IBAMA executou apenas 35,3% da ação orçamentária relativa à fiscalização ambiental e meros 41,6% na prevenção e controle dos incêndios florestais;
  • Por fim, em 2020, o IBAMA teve o aporte adicional de R$ 50 milhões, disponibilizados pelo STF a partir de recursos oriundos da operação Lava Jato, a serem utilizados tanto na fiscalização ambiental quanto no controle dos incêndios florestais. Desse total, até 5 de outubro foram liquidados apenas 35%;
  • Há significativo déficit de servidores no IBAMA, ICMBio e na FUNAI. Apesar dos pleitos dos órgãos para a contratação de servidores para repor os quadros perdidos, o governo tem se negado a fortalecê-los. O IBAMA tem 2.821 vagas em aberto, o que corresponde a 50% do efetivo; o ICMBio, 1.317 vagas sem preenchimento; e a FUNAI, déficit de mais de 2 mil servidores;
  • Ao longo da história brasileira, as autoridades ambientais empenharam esforços para aperfeiçoar a legislação ambiental e, com isso, efetivar a proteção do meio ambiente. A partir de 2019, contudo, um fato inédito passou a ocorrer: norma ambientais passaram a ser enfraquecidas pelas próprias autoridades ambientais. Três exemplos são apontados na ação, dentro de um conjunto amplo de desregulação ambiental: o Decreto no 9.760/2019, que incluiu uma nova fase (audiência de conciliação) e paralisou por completo o processo sancionatório administrativo no IBAMA e no ICMBio em relação às autuações aplicadas desde outubro de 2019 – desde a entrada do Decreto, o IBAMA realizou meras 5 audiências de conciliação (são previstas 7.205 audiências) e o ICMBio não realizou nenhuma; (o Decreto n.º 10.084/2019, que eliminou a vedação para atividades de cana-de-açúcar na Amazônia e no Pantanal; o Despacho Interpretativo no 7036900/2020, emitido pelo presidente do IBAMA, que extinguiu a possibilidade de se realizar fiscalização in loco sobre a exportação de madeira nativa;
  • Há graves violações ao direito à informação, ante a inexistência de informações e consequente impossibilidade de monitoramento do PPCDAm.

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