Votar é um ato de expressão em sua essência e um dos que mais traz consequências na vida da população. É absolutamente essencial que cada voto seja contabilizado na eleição dos Estados Unidos, um direito protegido pela Primeira Emenda da Constituição do país.
“Em resposta ao discurso alarmante proferido pelo presidente Donald Trump na manhã de quarta-feira, a ARTIGO 19 acredita que cada voto deve ser contabilizado. Qualquer ação diferente disso é uma violação não apenas da confiança que os estadunidenses depositam em seus sistema de governo, mas também do seu direito à liberdade de expressão garantido na Primeira Emenda”, disse Quinn McKew, Diretora-Executiva global da ARTIGO 19.
O Relatório Global de Expressão mostra como a liberdade de expressão tem sido continuamente erodida no mundo durante a última década. Os Estados Unidos não escaparam desse declínio – e o declínio não é um acidente e é diretamente impactado pelas ações do poder público, que buscam controlar vozes e informações para se manter no poder. Nosso relatório e a pesquisa Varieties of Democracy (V-Dem) demonstram ainda como a corrosão da expressão é um precedente para a corrosão na democracia eleitoral.
Os EUA pensava ser uma exceção a essa tendência, mas esta eleição viu supressão de votos e eleitores em uma escala sem precedentes. Por exemplo, eleitores da Flórida aprovaram uma emenda constitucional que permite que algumas pessoas que foram privadas de liberdade no passado possam voltar a ter direitos de voto, mas o Governador e o Estado minaram a iniciativa ao solicitar que esses indivíduos paguem possíveis multas ou restituições jurídicas antes de acessar esses direitos. Exigências de identificação dos eleitores afetaram desproporcionalmente certos grupos, criando obstáculos para o voto. Vale destacar que os novos eleitores em potencial são majoritariamente negros ou latinos, que tendem a votar no partido Democrata.
O ambiente político extremamente polarizado e a incerteza jurídica ameaçam esta eleição. Ainda, grande esforço foi direcionado a uma variedade de supressões “brandas”. Essas incluíram desde campanhas massivas de desinformação online ao governador do Texas limitar o número de urnas de votação a uma por condado (significando uma única urna em uma área de centenas de metros quadrados). Também incluíram recentes ligações feitas por robôs dizendo a pessoas para “se manterem seguras e em casa” ou para “votarem no dia 4 de novembro” – um dia depois da eleição – para “evitarem filas nas zonas eleitorais”.
Estas não são ações de pessoas que acreditam que podem vencer com a força de suas ideias e em processos democráticos. Estas são ações de pessoas que sabem que precisam burlar o sistema para manter o poder, pessoas que são receosas da escolha da própria população que deveriam representar.
Missão internacional afasta narrativa de fraude
Apesar de acontecer em meio a uma pandemia global e neste cenário de mobilização da desinformação para distorcer resultados, uma missão internacional realizada pelo Escritório para Instituições Democráticas e Direitos Humanos da OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa) constatou que as acusações de fraude são infundadas e que as eleições do dia 3 de novembro foram “competitivas e bem administradas, apesar dos muitos desafios causados pela pandemia da Covid-19”
“Ninguém – nenhum político, nenhuma pessoa eleita – deveria limitar o direito ao voto. Depois de uma campanha tão dinâmica, assegurar que cada voto é contado é uma obrigação fundamental de todos os Poderes”, disse Michael Georg Link, líder da missão, em comunicado. “Acusações infundadas, notadamente pelo presidente em exercício e inclusive na noite da eleição, ferem a confiança do público nas instituições democráticas”.
Estadunidenses tratam a Primeira Emenda como sagrada, em geral ainda mais do que os outros direitos garantidos na Constituição. E, embora não tenha decidido os casos de direito ao voto com base nisso, a Suprema Corte tem rotineiramente enfatizado que o direito ao voto é o direito de ter voz em eleições. Se os resultados da eleição dos EUA forem transferidos para a esfera jurídica, como parece possível, a ARTIGO 19 urge que a Suprema Corte mantenha isso em mente.
Votar é um ato de expressão, uma das formas de expressão com mais consequências e um dos princípios mais fundamentais em uma democracia, e portanto deve ser protegido com a mesma intensidade.