Em seu discurso, o presidente Jair Bolsonaro nesta terça-feira (22/09) converteu a 75ª Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) em plataforma de desinformação: neste espaço institucional, e como autoridade representando uma nação, disparou notícias falsas e jargões sem evidências sobre temas que deveriam ser tratados com maior seriedade por um governante, como o vazamento de petróleo na costa brasileira, as queimadas na Amazônia, Cerrado e Pantanal, o valor do auxílio financeiro aprovado pelo Congresso Federal na pandemia e a gestão catastrófica da emergência de saúde pública no Brasil. A isso somou ataques à liberdade de imprensa e aos direitos de associação e participação social, ao insistir em hostilizar comunicadores e organizações da sociedade civil.
O discurso de Jair Bolsonaro na ONU é deplorável, mas nada surpreendente. O monitoramento da ARTIGO 19, divulgado na semana passada, mostrou que por 189 vezes desde o início de seu mandato, o presidente e políticos ligados ao governo federal mobilizaram uma ideia distorcida de “notícia falsa” ou “desinformação” ou ainda teorias conspiratórias para acusar a mídia de parcialidade maliciosa na divulgação de informações e denúncias. Esses são justamente os mecanismos mais comuns para deslegitimar o trabalho de comunicadores: o discurso estigmatizante sobre a mídia apareceu em 42% dos casos de violações, especialmente associados a uma cobertura ou questionamento incômodo, como denúncias de corrupção envolvendo familiares e crises no mandato.
Ao mesmo tempo, o governo investe contra dados oficiais, políticas de transparência pública e legislações de acesso à informação. A sua narrativa não se sustenta por evidências.
Hoje, o mesmo atalho da desinformação foi utilizado por este presidente que não quer responder ou assumir sua responsabilidade diante das mais de 137 mil mortes pela pandemia de Covid-19 no Brasil, das queimadas que devastam a Amazônia e o Pantanal perante à comunidade internacional. O grave problema é que este atalho é uma violação aos deveres do cargo que ocupa e ao próprio Estado Democrático de Direito. E que as questões em jogo são urgentes demais para a população e para o planeta.
A ARTIGO 19 reafirma seu compromisso com a defesa de direitos e práticas democráticas neste momento crítico, em que, além da pandemia e das crises que se intensificam, o Poder Executivo propaga a desinformação e o racismo ambiental e instiga a polarização como caminho de sufocamento democrático. Ao contrário do que tentou, o discurso de Jair Bolsonaro só deixou ainda mais evidente a importância da existência e a urgência do fortalecimento de povos tradicionais, de comunidades indígenas e quilombolas, da liberdade de imprensa, de organizações da sociedade civil, de defensores de direitos humanos e ambientais no Brasil.