O segundo webinar da campanha #CompartilheInformação #CompartilheSaúde discutiu os impactos da pandemia de Covid-19 nas periferias do Brasil, especialmente em suas intersecções com gênero, raça e território. Realizado na última sexta-feira (12/06), o encontro reuniu representantes de quatro organizações parceiras da campanha lançada pela ARTIGO 19, que reforçaram a importância das iniciativas populares e comunitárias para garantir a todas as pessoas o acesso à informação em meio a pandemia. Participaram do debate as organizações Nós, Mulheres da Periferia, Teia Solidariedade Zona Oeste, SOS Providência e Cineclube Comunitário do Povo. A mediação do diálogo foi feita por Carlos Gonçalves, do Coletivo Orosina Vieira e do Podcast Renegadus.
Atuando em mais de 40 bairros da Zona Oeste do Rio de Janeiro, a Teia Solidariedade Zona Oeste tem se articulado para distribuir cestas básicas, suprindo uma demanda emergencial nestes territórios no contexto da Covid-19. A estas ações somam-se lives e oficinas de comunicação, que pretendem tanto fomentar uma leitura crítica da realidade, especialmente sob a perspectiva antirracista, como pressionar o Estado para agir nestes territórios. “O CEP tem sido um marcador de letalidade da Covid-19 no Brasil. Nós levamos alimentos e construímos conhecimento a partir de nossa realidade. O enfrentamento é por meio do autocuidado, da afetividade, de pensar o cotidiano como formador”, afirmou Rosineide de Freitas.
No Rio de Janeiro, o coletivo de organizações SOS Previdência também incorporou a lógica do cuidado e da afetividade em sua atuação. As iniciativas têm feito um esforço de levantar dados estatísticos e epidemiológicos sobre os impactos do coronavírus na comunidade. O destaque é o Morador Monitor, uma ferramenta de comunicação comunitária que mapeou diferentes áreas da comunidade, identifica demandas e distribui doações. Nos 1607 domicílios mapeados, o Morador Monitor observou que quase metade da população segue trabalhando fora de casa e que apenas 43 pessoas tiveram acesso ao auxílio emergencial do governo federal. Ainda, foram identificados 380 casos suspeitos e 34 confirmados de infecção pelo novo coronavírus. “Começamos porque percebemos que estávamos abandonados pelo poder público”, disse Hugo Oliveira, do SOS Providência. “O que sustenta o mundo são as redes solidárias, e nesse lugar a favela é mestre. Há muita informação e conhecimento para passar”, enfatizou.
Na mesma linha, o Cineclube Comunitário do Povo tem se preocupado também com ações a médio prazo, pensando em um contexto pós-pandemia. A organização de autodefesa comunitária atua no município de Cachoeira, a 120 km de Salvador, e realiza ações valendo-se de elementos da cultura negra e periférica como o cinema, o hip hop e a educação popular. Durante a epidemia de Covid-19, o Cine do Povo instaurou um comitê de solidariedade popular focado em arrecadar cestas básicas e produtos de higiene, cultivar hortas comunitárias e desenvolver a comunicação comunitária. O comitê, através de redes sociais, cartazes ou programas de rádio, informa a população sobre cuidados e prevenção em saúde, além de combater a desinformação. Em Cachoeira, explicou Jamile Silva durante o webinar, há pouca adesão ao isolamento social. Para a comunicadora popular, a desinformação é um dos grandes motivos para isso e, portanto, é fortemente combatida pelo grupo.
Contar histórias
Já o coletivo Nós, Mulheres da Periferia reforça um outro papel da comunicação: o de contar as histórias de quem é afetada, mas em geral não é ouvida ou representada nas narrativas sobre a epidemia. A organização de jornalismo nasceu em 2014 formada por mulheres negras e periféricas da cidade de São Paulo e está concentrada em falar “sobre, com e para as mulheres da periferia”, como descreveu Jéssica Moreira. No contexto de Covid-19, em que muitas mulheres da periferia não podem ficar em casa e/ou passaram a ter ainda mais obrigações domésticas, “falar sobre elas é falar sobre uma parte enorme da sociedade. Se não contarmos essas histórias, quem vai contar é uma mídia majoritariamente branca que não traz nossas demandas, complexidades e pluralidades”, disse.
A tarefa, mais uma vez, esbarra na desinformação. A estratégia do Nós, Mulheres da Periferia é investir nas articulações locais e nas potências trazidas pelo território, entrevistando lideranças e profissionais que ali atuam. “Em um contexto de descrença em instituições e no jornalismo, fazer a quebrada se sentir representada é muito importante. Se nós esquecermos o território, o território esquece de nós”.
Sobre a campanha
A campanha #CompartilheInformação #CompartilheSaúde, promovida pela ARTIGO 19, tem o objetivo de fortalecer os direitos humanos à informação e saúde e ampliar informações confiáveis e diversas nesta crise do novo coronavírus. Para isso, a ARTIGO 19 selecionou, por meio de chamada aberta em maio de 2020, 23 organizações ou coletivos de comunicação popular, comunitária, periférica ou independente, para apoiar com R$ 8.000,00 e integrar uma rede de troca de informações. A ação busca apoiar a produção e circulação de conteúdos sobre diferentes aspectos da crise econômica, política, social e de saúde pública neste momento, trazendo novas perspectivas sobre redes de solidariedade, ações de enfrentamento, impactos e caminhos para afirmar direitos e promover a saúde pública.
As organizações e iniciativas parceiras da campanha participarão de uma série de diálogos online durante todo o mês de junho, sempre às sextas-feiras, apresentando seu trabalho e discutindo caminhos para uma comunicação que fortaleça direitos. A primeira edição, realizada no dia 05/06, pode ser conferida neste link, e o diálogo do dia 12/06 está disponível neste endereço.