Em declaração conjunta, a ARTIGO 19 se soma a dezenas de organizações que apontam os limites e cuidados que devem balizar a ação do poder público, caso sejam mobilizados mecanismos de vigilância digital em respostas à pandemia. O novo coronavírus não pode se tornar pretexto para a violação de direitos fundamentais, como à privacidade, liberdade de expressão e associação
A pandemia do novo coronavírus é uma emergência de saúde pública global que requer uma resposta coordenada e em larga escalada de governos do mundo todo. No entanto, os esforços dos Estados para conter o vírus não devem ser usados de pretexto para inaugurar uma nova era de sistemas ainda mais expandidos de vigilância digital.
Em uma declaração conjunta em inglês, dezenas de organizações de diferentes países reforçam a importância de que o uso de tecnologias digitais para rastrear e monitorar indivíduos e populações seja realizado estritamente de acordo com direitos humanos e necessidades de saúde pública. Lembram que as decisões que os governos tomam agora para enfrentar a pandemia estão moldando o mundo no futuro.
“A tecnologia pode e deve desempenhar um papel importante durante esse esforço para salvar vidas, como disseminar mensagens de saúde pública e aumentar o acesso à um eventual o aumento no poder de vigilância digital pelos Estados, como o de obter acesso a dados de localização de telefones celulares, ameaça a privacidade, a liberdade de expressão e a liberdade de associação, podendo conduzir à violação de direitos e à degradação da confiança da população nas autoridades públicas – comprometendo a eficácia de suas respostas. Essas medidas também carregam um risco de discriminação e podem prejudicar desproporcionalmente os grupos que já enfrentam desigualdades”, reforça o documento.
As organizações apelam a todos os governos e representantes públicos para que não respondam à pandemia do coronavírus com maior vigilância digital e enumeram oito condições que precisam ser atendidas caso medidas excepcionais sejam necessárias. As recomendações demonstram que é possível implementar ações importantes para combater essa pandemia respeitando o Estado de Direito.
Conheça:
1) As medidas de vigilância adotadas para lidar com a pandemia devem ser legais, necessárias e proporcionadas. Devem ser previstas por lei e justificadas por objetivos legítimos de saúde pública, conforme determinado pelas autoridades competentes de saúde pública, e ser proporcionais a essas necessidades. Os governos devem ser transparentes sobre as medidas que estão tomando para que possam ser avaliadas e, posteriormente, modificadas, retraídas ou derrubadas. Não podemos permitir que a pandemia da COVID-19 sirva de desculpa para vigilância em massa indiscriminada.
2) Se os governos expandirem os poderes de monitoramento e vigilância, esses poderes deverão ter um prazo determinado e ter vigência apenas pelo tempo necessário para resolver a pandemia atual. Não podemos permitir que a pandemia de coronavírus sirva de desculpa para vigilância indefinida.
3) Os Estados devem garantir que o aumento da coleta, retenção e agregação de dados pessoais, incluindo dados de saúde, seja usado apenas para fins de resposta à pandemia do coronavírus. Os dados coletados, alimentados e agregados para responder à pandemia devem ter um escopo e prazo limitados e não devem ser usados para fins comerciais ou outros que não estejam ligados a respostas à pandemia. Não podemos permitir que a crise do coronavírus sirva de pretexto para destruir o direito à privacidade de pessoas.
4) Os governos devem garantir todos os esforços para proteger os dados pessoais, inclusive garantindo segurança suficiente de quaisquer dados coletados e de quaisquer dispositivos, aplicativos, redes ou serviços envolvidos na coleta, transmissão, processamento e armazenamento. Quaisquer reivindicações de que os dados sejam anônimos devem ser baseadas em evidências e apoiadas com informações suficientes sobre como foram anonimizadas. Não podemos permitir que tentativas de resposta a esta pandemia sejam usadas como justificativa para comprometer a segurança digital das pessoas.
5) Qualquer uso de tecnologias de vigilância digital em resposta ao coronavírus, incluindo big data e sistemas de inteligência artificial, deve endereçar o risco de discriminação que acompanha essas ferramentas e outros abusos de direitos contra grupos raciais, pessoas que vivem na pobreza e outras populações discriminadas, cujas necessidades e realidades vividas podem ser invisibilizadas ou deturpadas em grandes conjuntos de dados. Não podemos permitir que a pandemia de coronavírus aumente ainda mais a lacuna na efetivação de direitos humanos entre diferentes grupos da sociedade.
6) Se os governos firmarem acordos de compartilhamento de dados com outras entidades do setor público ou privado, eles devem se basear na lei. A existência desses acordos e informações necessárias para avaliar seu impacto na privacidade e nos direitos humanos devem ser divulgadas publicamente – por escrito, com cláusulas compreensíveis, previsão de supervisão pela população e com outras salvaguardas por padrão. As empresas envolvidas nos esforços dos governos para combater o coronavírus devem realizar a devida diligência para garantir o respeito aos direitos humanos e que não haja intervenção de outros interesses de negócios e comerciais. Não podemos permitir que a pandemia de coronavírus sirva de desculpa para manter as pessoas no escuro sobre quais informações seus governos estão coletando e compartilhando com terceiros.
7) Qualquer resposta deve incorporar proteções de responsabilidade e salvaguardas contra abusos. Uma maior mobilização de vigilância relacionada ao coronavírus não devem estar no domínio de agências de segurança ou de inteligência e devem estar sujeitos a uma supervisão efetiva por órgãos independentes. Além disso, os indivíduos devem ter a oportunidade de conhecer e questionar quaisquer medidas relacionadas ao coronavírus para coletar, agregar, reter e usar dados. Os indivíduos que foram submetidos à vigilância devem ter acesso a remédios eficazes.
8) As respostas relacionadas ao coronavírus que incluírem coleta de dados devem incluir meios de participação livre, ativa e significativa de partes interessadas relevantes, em especial especialistas do setor de saúde pública e dos grupos populacionais mais discriminados.
Acesse o documento na íntegra em inglês.
Organizações signatárias:
7amleh – Arab Center for Social Media Advancement
Access Now
African Declaration on Internet Rights and Freedoms Coalition
AI Now
Algorithm Watch
Alternatif Bilisim
Amnesty International
ApTI
ARTICLE 19
Asociación para una Ciudadanía Participativa, ACI Participa
Association for Progressive Communications (APC)
ASUTIC, Senegal
Athan – Freedom of Expression Activist Organization
Barracón Digital
Big Brother Watch
Bits of Freedom
Center for Advancement of Rights and Democracy (CARD)
Center for Digital Democracy
Center for Economic Justice
Centro De Estudios Constitucionales y de Derechos Humanos de Rosario
Chaos Computer Club – CCC
Citizen D / Državljan D
Civil Liberties Union for Europe
CódigoSur
Coding Rights
Coletivo Brasil de Comunicação Social
Collaboration on International ICT Policy for East and Southern Africa (CIPESA)
Comité por la Libre Expresión (C-Libre)
Committee to Protect Journalists
Consumer Action
Consumer Federation of America
Cooperativa Tierra Común
Creative Commons Uruguay
D3 – Defesa dos Direitos Digitais
Data Privacy Brasil
Democratic Transition and Human Rights Support Center “DAAM”
Derechos Digitales
Digital Rights Lawyers Initiative (DRLI)
Digital Security Lab Ukraine
Digitalcourage
EPIC
epicenter.works
European Digital Rights – EDRi
Fitug
Foundation for Information Policy Research
Foundation for Media Alternatives
Fundación Acceso (Centroamérica)
Fundación Ciudadanía y Desarrollo, Ecuador
Fundación Datos Protegidos
Fundación Internet Bolivia
Fundación Taigüey, República Dominicana
Fundación Vía Libre
Hermes Center
Hiperderecho
Homo Digitalis
Human Rights Watch
Hungarian Civil Liberties Union
ImpACT International for Human Rights Policies
Index on Censorship
Initiative für Netzfreiheit
Innovation for Change – Middle East and North Africa
International Commission of Jurists
International Service for Human Rights (ISHR)
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
Ipandetec
IPPF
Irish Council for Civil Liberties (ICCL)
IT-Political Association of Denmark
Iuridicum Remedium z.s. (IURE)
Karisma
La Quadrature du Net
Liberia Information Technology Student Union
Liberty
Luchadoras
Majal.org
Masaar “Community for Technology and Law”
Media Rights Agenda (Nigeria)
MENA Rights Group
Metamorphosis Foundation
New America’s Open Technology Institute
Observacom
Open Data Institute
Open Rights Group
OpenMedia
OutRight Action International
Pangea
Panoptykon Foundation
Paradigm Initiative (PIN)
PEN International
Privacy International
Public Citizen
Public Knowledge
R3D: Red en Defensa de los Derechos Digitales
RedesAyuda
SHARE Foundation
Skyline International for Human Rights
Sursiendo
Swedish Consumers’ Association
Tahrir Institute for Middle East Policy (TIMEP)
Tech Inquiry
TechHerNG
TEDIC
The Bachchao Project
Unwanted Witness, Uganda
WITNESS
World Wide Web Foundation