Em nova Resolução, a Comissão frisa que as medidas adotadas pelos Estados no tratamento e contenção do vírus devem estar centradas no pleno respeito aos direitos humanos. Conheça 10 recomendações para a garantia das liberdades de expressão e informação nesse sentido
Diante da emergência de saúde com o novo coronavírus enfrentada pelos países da região americana e pelo mundo, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) adotou recentemente a Resolução nº 01/20, que traz recomendações sobre a pandemia e a garantia de direitos na região.
Baseadas em padrões do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, as recomendações são direcionadas aos Estados e buscam balizar a atuação de autoridades públicas. O documento reúne 85 recomendações da CIDH, órgão autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), em diversas frentes importantes, como a garantia dos direitos das mulheres, de populações indígenas, afrodescentes e LGBTQI+. Elas lembram o dever do Estado garantir a proteção e efetivação de direitos humanos de todas e todos, sem exceções, e sua importância no atual contexto.
Como parte da região, o Brasil precisa avançar com urgência nesse campo. Recentemente, em ação conjunta com diversas organizações da sociedade civil, a ARTIGO 19 denunciou o momento crítico vivido no país para a comunidade internacional. A crise exige uma atenção séria, coordenada e equilibrada do poder público, com ações rápidas e eficazes para salvar vidas e conter a pandemia. No entanto, há no Brasil um descompasso entre a atuação de autoridades públicas, sobretudo da Presidência da República, e as orientações de instituições de saúde pública.
Nesse sentido, reunimos aqui 10 recomendações, entre as 85 realizadas pela CIDH, que balizam a resposta do poder público em relação a garantia da liberdade de expressão, do direito à informação, de participação social, transparência e proteção da privacidade de dados pessoais — cruciais para vencer a pandemia. Conheça:
1. Desenvolver espaços oportunos de participação social para a avaliação dos impactos e resultados das medidas adotadas, permitindo que os ajustes necessários sejam gerenciados a partir uma abordagem de direitos humanos. Da mesma forma, estabelecer espaços para o diálogo nacional com participação de peritos independentes, instituições nacionais de direitos humanos e o setor privado.
2. Não restringir o trabalho e a movimentação de jornalistas, que desempenham um papel central durante a emergência saúde pública no sentido de informar e monitorar as ações do Estado. Os Estados não devem incluir comunicadores nas restrições de tráfego e têm a obrigação de permitir o acesso a entrevistas coletivas oficiais a todos os meios de comunicação, sem discriminação por linha editorial, exceto pelas medidas necessárias e proporcionais para proteger a saúde desses profissionais.
3. Garantir que as defensoras e defensores de direitos humanos possam realizar seu trabalho de defesa e informação no contexto da pandemia. Não perseguir defensoras e defensores dos direitos humanos por fiscalizarem a ação do Estado em face da pandemia e em relação a possíveis violações de direitos fundamentais, que inclui a não sujeição a processos civis ou criminais por opiniões, a não detenção com base no uso de figuras criminais amplas ou ambíguas, ou a exposição ao risco de ataques físicos ou virtuais.
4. Não promover censura prévia e não bloquear total ou parcialmente sites de mídia, plataformas ou contas privadas na internet. Garantir o acesso mais amplo e imediato ao serviço de internet para toda a população e desenvolver medidas para reduzir rapidamente a brecha digital enfrentada por grupos vulneráveis e populações de baixa renda. Não pode haver a imposição de restrições ao acesso à Internet por razões de ordem pública ou segurança nacional.
5. Garantir o acesso à informação pública no contexto da emergência gerado pelo COVID-19 e não estabelecer limitações generalistas com base em razões segurança ou ordem pública. Os órgãos e profissionais que garantem a efetivação desse direito devem priorizar os pedidos de acesso a informações relacionadas a emergência de saúde pública. Também devem priorizar a produção de relatórios de forma proativa, compartilhando dados de maneira aberta, acessível e desagregada. Em caso de adiamento dos prazos solicitando informações sobre assuntos não relacionados à pandemia, os Estados deverão fundamentar a recusa, estabelecer um espaço temporário para cumprir a obrigação e admitir o apelo dessas resoluções.
6. Garantir que eventuais medidas temporárias de restrições e responsabilização pela disseminação de informações ou opiniões, que sejam baseadas na proteção de interesses legítimos de saúde pública, sigam parâmetros estabelecido por lei, aconteçam de modo proporcional e com impactos restritos ao alcance desse interesse legítimo.
7. Adotar especial cuidado em pronunciamentos e declarações de representantes públicos com altas responsabilidades em relação à evolução da pandemia. Nas circunstâncias atuais, é um dever das autoridades estatais informar a população, agir com diligência e de acordo com embasamento científico. Além disso, autoridades públicas devem se lembrar de que estão expostas a uma maior fiscalização e crítica pública, mesmo em períodos especiais. Governos e empresas de internet devem ainda enfrentar de forma transparente as campanhas de desinformação que circulam em relação à pandemia.
8. Proteger o direito à privacidade e os dados pessoais da população, especialmente contra informações pessoais sensíveis de pacientes e pessoas submetidas a exames durante a pandemia. Estados, provedores de saúde, empresas e outros atores econômicos envolvidos nos esforços para conter e tratar a pandemia devem ter o devido consentimento ao coletar e compartilhar dados confidenciais de pessoas. Devem apenas armazenar os dados pessoais coletados durante a emergência com a finalidade limitada de combater a pandemia, sem compartilhá-los para fins comerciais ou outros. As pessoas e os pacientes afetados terão o direito de cancelar seus dados sensíveis.
9. Assegurar que, no caso de usar ferramentas de vigilância digital para acompanhar ou conter a propagação da epidemia e o monitoramento das pessoas infectadas, essas ferramentas devem ser estritamente limitadas, tanto em termos de finalidade quanto de tempo, e que deve haver uma proteção rigorosa de direitos individuais, da não discriminação e de liberdades fundamentais. Os Estados devem tornar transparentes sobre instrumentos de vigilância que estão usando e sua finalidade, bem como implementar mecanismos de supervisão independente do uso dessas tecnologias e canais seguros de denúncias e reclamações.
10. Garantir que prisões arbitrárias não sejam feitas durante a vigência dos estados de emergência ou de medidas de restrições à circulação de pessoas e que qualquer detenção que aconteça siga o devido controle judicial e estejam de acordo com as normas.
Leia a resolução em espanhol na íntegra aqui.