A ARTIGO 19 vem a público expressar total repúdio aos ataques do Presidente da República às jornalistas Miriam Leitão, apresentadora da TV Globo, e Isadora Peron, repórter do Jornal Valor Econômico. Os dois casos recentes são emblemáticos em relação a uma prática de intimidação que atinge comunicadores e, em especial, as mulheres comunicadoras e defensoras de direitos humanos no Brasil.
Nos recém completados 200 dias do mandato de Jair Bolsonaro (PSL), já foram registradas inúmeras declarações que reforçam a desqualificação da imprensa e do trabalho de comunicadores no Brasil e podem conduzir a um cerceamento do direito à informação de toda população. A ARTIGO 19 consolidou alguns desses casos em uma linha do tempo que sistematizou os que aconteceram nos 100 primeiros dias de mandato, completados no mês de abril. Essa sistematização acendeu um alerta em relação à institucionalização de violações à liberdade de imprensa e à mobilização de discriminações em alguns casos.
Nesse sentido, as declarações que deslegitimam a atuação de mulheres jornalistas seguem acontecendo desde então como mostram os dois graves episódios recentes. Na sexta-feira, dia 19/07, durante um café da manhã com jornalistas estrangeiros no Palácio do Planalto, o presidente foi questionado sobre o cancelamento da participação de Miriam Leitão em um evento como parte de uma resposta dos organizadores a um manifesto que circulou nas redes sociais contra a participação da jornalista por seu suposto ‘viés ideológico’. O Presidente da República, ao se manifestar sobre o acontecimento fez afirmações que não são verdadeiras sobre a vida da jornalista, levando a própria TV Globo, emissora em que Miriam é apresentadora, a repudiar a atitude (Veja mais).
Outro episódio envolvendo Jair Bolsonaro aconteceu durante uma entrevista coletiva no sábado (20/07), em que, ao ser questionado pela repórter Isadora Peron, do Jornal Valor Econômico, sobre suas declarações pejorativas em relação à região Nordeste do país, o presidente respondeu: “pelo amor de Deus, né. Se eu te chamar de feia agora, acabou o mundo. Todas as mulheres vão estar contra mim”. A jornalista relatou o caso em sua conta no Twitter.
Vale destacar que na linha do tempo sistematizada pela ARTIGO 19 em abril, em 4 dos 6 casos que envolviam pessoas específicas o alvo dos ataques eram mulheres (e em quatro casos foi a imprensa de modo geral). Um desses casos foi dirigido justamente a repórter Isadora Peron – ou seja, o grave comportamento é reincidente. É preciso lembrar que essa prática de ataques e desqualificação dos profissionais de imprensa e comunicadores têm se tornado recorrentes nas falas do presidente, sobretudo quando este é questionado sobre seu governo ou sua própria conduta.
A ARTIGO 19 reforça que a garantia da liberdade de expressão passa pela diversidade de vozes – o que inclui garantir um ambiente seguro para mulheres comunicadores – e que a igualdade de gênero é extremamente importante para o fortalecimento do direito à informação. Destacamos ainda que, apesar das tentativas de intimidação, mulheres jornalistas fizeram e têm feito contribuições importantes para o debate público. Apurar e viabilizar múltiplas opiniões, acompanhar os acontecimentos e trazer informações sobre o governo a partir de diferentes perspectivas não é apenas saudável, é fundamental para a democracia e para a garantia do direito da população à informação em momentos decisórios e em processos democráticos.
Nesse sentido, além de manifestar repúdio, a ARTIGO 19 insta que os representantes do poder público ajam de acordo com normas internacionais e nacionais e que sua atuação seja pautada pela garantia e respeito ao exercício profissional, à liberdade de expressão, liberdade de imprensa e ao direito à informação. Em recomendação recente, o Conselho Nacional de Direitos Humanos orienta que representantes do Estado “reconheçam constante, explícita e publicamente a legitimidade e o valor do jornalismo e da comunicação, mesmo em situações em que a informação divulgada possa ser crítica ou inconveniente aos interesses dos governo” e que “jamais sejam agentes diretos ou promovam violações ao direito à liberdade de expressão, incitem discriminações ou criem ambientes que conduzam à violência contra comunicadores, seja física, verbal ou na esfera digital”.