Relatório aponta que acesso à informação é barreira ao direito ao aborto em casos previstos em lei

De um total de 176 hospitais, apenas 43% afirmaram realizar a interrupção da gestação nos casos previstos em lei quando contatados por telefone

A ARTIGO 19 lança nesta quarta-feira (19/06) um relatório inédito sobre acesso à informação e direito ao aborto nos casos previstos em lei, consolidando os dados de uma pesquisa telefônica realizada com 176 hospitais públicos de todo Brasil. Desse total, apenas 43% (76 hospitais) afirmaram realizar a interrupção da gestação nos casos previstos em lei, quando, na verdade, todos os serviços de saúde pública deveriam efetivar esse e outros direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.

A publicação consolida evidências de que o acesso à informação é uma barreira para a realização do procedimento, concluindo que – seja por medo justificado de retaliação, por desconhecimento ou por objeções morais mais diretas à garantia desse direito – no geral, foi difícil conseguir informações via telefone nos estabelecimentos de saúde.

Além da questão sobre a realização ou não do procedimento nos casos previstos em lei, as barreiras também se expressaram em informações desencontradas sobre as condições para a sua realização. Dos hospitais consultados pela pesquisa, por exemplo, 16 mencionaram o Boletim de Ocorrência entre os documentos necessários para a realização do aborto legal – ainda que não seja necessária a apresentação do BO desde a publicação de uma portaria em 2005. Por outro lado, conforme preconizam as normas, 49 hospitais dos 65 que responderam não citam o BO como documento necessário para o atendimento.

No caso da idade gestacional máxima para a realização do aborto, que deveria ser uniforme para todos os estabelecimentos, as respostas obtidas variaram entre 12 e 22 semanas e 44 hospitais afirmaram ainda não saber informar. De acordo com a norma técnica Atenção Humanizada ao Abortamento (2011), o abortamento pode ser realizado até a 20ª ou 22ª semana e com o feto pesando menos que 500g.

Julgamento moral ainda é obstáculo
Dentre os hospitais que informaram não fazer aborto legal, houve casos que chamaram atenção pela expressão direta de um julgamento moral como barreira de acesso à informação. Algumas respostas negativas afirmaram que o procedimento não seria realizado “pois é crime”, ignorando a atual legislação sobre o tema, que não criminaliza a realização do aborto quando a gravidez é decorrente de estupro, traz risco de vida à mulher ou em casos de anencefalia fetal.

Destacam-se nesses casos respostas como “deus me livre!”, “claro que não faz aborto”, “aborto é crime e aqui não defendemos direitos humanos para bandido” e “nenhum médico realizará o procedimento”. Outros hospitais perguntaram se teria como a mulher “provar que havia sido estuprada” e um chegou a indagar “se ela conhecia o autor da violência”.

Entre fatores que possam ter contribuído para o quadro, o relatório indica que uma soma de julgamentos morais, desconhecimento e até um possível recrudescimento de punitivismos administrativos, pode ter coagido profissionais de saúde a não darem informações sobre aborto legal por telefone de alguma forma.

Além dos dados gerais, o relatório Acesso à informação e aborto legal: mapeando desafios nos serviços de saúde traz dados por Estados/regiões e traça recomendações para o poder público no sentido de avançar na garantia do acesso à informação nos serviços públicos de saúde (acesse na íntegra).

Sobre a pesquisa
As ligações foram realizadas para os 176 hospitais por dois perfis – um que se apresentaria como Pesquisadora, em busca de informações para fins de pesquisa, e um que se apresentaria como Usuária, que estaria buscando informações para conseguir realizar o abortamento legal. A Usuária conseguiu falar com 140 hospitais, enquanto a Pesquisadora conseguiu falar com apenas 22 hospitais.

Os hospitais que confirmaram a realização do aborto legal na pesquisa telefônica foram listados na plataforma mapaabortolegal.org, lançada em março deste ano pela ARTIGO 19. A base da pesquisa, do mapa publicado na plataforma e do relatório foi construída a partir de duas listas de informações públicas disponibilizadas pelo Ministério da Saúde – uma que está em transparência e outra adquirida via solicitação de acesso à informação. (saiba mais sobre a metodologia).

 

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