Revisão de determinação que tirava reportagem do ar pelo STF é fundamental para defesa da liberdade de expressão e de imprensa

A ARTIGO 19 se soma às organizações que expressaram preocupação com a determinação realizada no dia 15 de abril pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, pela retirada do ar de todo conteúdo da reportagem “O amigo do amigo de meu pai”, publicada pelo site O Antagonista e pela revista Crusoé, vetando também postagens subsequentes que abordem o assunto, em inquérito aberto pelo próprio STF. Nesse sentido, saudamos a decisão da quinta-feira (18/04) do mesmo Ministro, retirando esta determinação.

É importante levarmos em consideração que, em uma democracia, a liberdade de expressão e de imprensa é a regra. Ou seja, os casos em que se verifique um conflito de direitos e que haja uma comprovada necessidade de limitá-los devem ser exceções e é preciso que exista uma análise sobre a proporcionalidade da medida adotada. Nesse sentido, lembramos que determinar a remoção total de uma matéria e vetar publicações futuras são fortes indícios de desproporcionalidade. Para sanar esse tipo de conflito envolvendo o direito à liberdade de expressão e a eventual proteção de outros direitos, a legislação brasileira dispõe de diversos mecanismos menos restritivos e mais democráticos como, por exemplo, o direito de resposta. O próprio valor da multa estabelecida também é um indicativo de desproporcionalidade.

Lembramos que qualquer restrição à liberdade de expressão, para ser legítima em uma democracia, deve obedecer a critérios objetivos e concretos. Pelos trechos que foram divulgados na imprensa, não é possível compreender qual foi, exatamente, a interpretação realizada pelo Ministro ou os critérios estabelecidos para determinar a remoção da matéria. Nesse sentido, o primeiro aspecto que deve ser questionado na determinação é justamente em relação à transparência desse tipo de decisão e do processo. Para que de fato haja um debate público qualificado em torno da decisão e seus impactos, é importante que possamos conhecê-los, algo que se torna ainda mais relevante quando consideramos que se trata de uma situação em que o STF está tomando uma decisão restritiva em um caso que envolve justamente seu atual presidente.

Se a justificativa legal pela remoção foi baseada na ideia de ‘notícias falsas’, é preciso lembrar ainda da importância de se discutir com maior transparência e profundidade o fenômeno da desinformação, sob o risco de que simplificações imprecisas sejam mobilizadas para autorizar interpretações restritivas. A “Declaração conjunta sobre a Liberdade de Expressão e Notícias Falsas, Desinformação e Propaganda” – documento que reúne parâmetros e responsabilidades que ajudam a combater notícias falsas, sem violar a liberdade de expressão – afirma, nesse sentido, que “as proibições gerais à divulgação de informações baseadas em ideias vagas e ambíguas, incluindo ‘notícias falsas (fake news)’ ou ‘informações não objetivas’, são incompatíveis com os padrões internacionais de restrição à liberdade de expressão”. A mesma declaração reforça a importância de não haver confusão entre as fronteiras da desinformação e de notícias de mídias, cujos dados podem ser verificados.

Pelos mesmos motivos, a determinação do STF em relação ao bloqueio de contas em redes sociais de sete pessoas investigadas e o cumprimento de mandados de busca e apreensão pela Polícia Federal no bojo do mesmo inquérito também são motivo de preocupação.

É importante lembrar que o STF possui a importante missão de garantir a liberdade de expressão nas suas mais variadas nuances. Casos muito emblemáticos nesse sentido foram julgados por essa mesma Corte e alcançaram decisões históricas, como na questão das biografias não autorizadas. Desde a democratização, o Supremo vem inclusive ponderando, em diversas ocasiões, que a pessoa pública deve ser muito mais tolerante às críticas, opiniões e manifestações a seu respeito, justamente pela natureza do cargo que ocupa. É evidente que aqueles que ocupam cargos públicos podem e devem estar na centralidade do debate público, da cobertura da imprensa e da fiscalização pela população. Dado esse histórico, reforçamos a importância da reversão da determinação e expressamos nossa expectativa de que o pleno do Supremo atue no sentido de reafirmar sua atuação pela garantia de direitos. Nesse sentido, esperamos ainda que a defesa da liberdade de expressão aconteça sempre no sentido de fortalecer e aprimorar a atuação de instituições essenciais em processos democráticos, não de aprofundar suas crises.

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