No último dia 1º de abril, o juiz Jesseir Coelho de Alcântara, da 3º Vara dos Crimes Dolosos Contra a Vida da Comarca de Goiânia, suspendeu indefinidamente o processo que julga o assassinato do jornalista e radialista Valério Luiz de Oliveira, alegando que o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás não teria condições físicas e organizacionais de realizar o julgamento.
Valério Luiz era radialista e jornalista esportivo, conhecido por fazer comentários críticos de maneira bastante aberta e direta. Foi morto em 05 de julho de 2012, com cinco tiros, ao sair da rádio em que trabalhava. Segundo o inquérito policial, o crime envolveu cinco pessoas, sendo que quatro repartiram entre si tarefas necessárias para a emboscada, como espreita no local do crime e fornecimento da motocicleta, ficando para um cabo da polícia militar a tarefa de executar o radialista. Além disso, o inquérito foi bem sucedido ao identificar o mandante do assassinato, Maurício Borges Sampaio. Maurício era membro da direção do clube Atlético-GO, que Valério vinha criticando de maneira contundente antes de ser assassinado.
É importante ressaltar que, em primeiro lugar, essa decisão representa mais uma violação ao direito à justiça e reparação da família de Valério Luiz, que há quase sete anos luta por justiça em um caso que até agora nem mesmo foi a Júri Popular. Depois de anos de recursos que levaram o caso até o Supremo Tribunal Federal antes mesmo de haver um julgamento, em fevereiro de 2018 o último recurso possível para os réus foi negado pelo STF e o caso passou a estar em condições de ser enviado a Júri Popular. Até esta decisão.
Além disso, a decisão também representa um risco à liberdade de expressão de maneira mais ampla, na medida em que reforça o cenário de impunidade nos crimes contra comunicadores no país e, infelizmente, faz com que o caso de Valério Luiz seja representativo desse cenário. Segundo estudo realizado pela ARTIGO 19, entre os 22 casos de homicídio de comunicadores que ocorreram entre 2012 e 2016 no país, apenas em nove casos houve abertura de um processo criminal, e somente em quatro houve pessoas sentenciadas. Segundo a organização, mesmo nos poucos casos em que houve condenação, via de regra somente os executores foram condenados, enquanto os mandantes permaneceram impunes. No caso de Valério Luiz, o inquérito policial identificou tanto os executores quando o mandante do crime e um avanço no julgamento desse caso pode ter um impacto sobre o cenário geral da liberdade de expressão no país.
A decisão também contraria padrões internacionais de direitos humanos e de proteção ao trabalho de jornalistas e comunicadores. Segundo relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos de 2014, os Estados têm a obrigação de investigar, julgar e punir criminalmente crimes contra comunicadores e, no marco dessa obrigação, devem efetuar investigações em um prazo razoável e remover obstáculos legais à investigação e sanção sobre delitos mais graves contra jornalistas.
Segundo a Comissão, a impunidade “não só constitui em si mesma uma infração da obrigação de garantir o livre e pleno exercício dos direitos humanos, mas também propicia a repetição crônica das violações desses direitos e o total desamparo das vítimas e de seus familiares.” Nesse sentido, não se pode ignorar os níveis crescentes e alarmantes de violência contra comunicadores no Brasil, que colocam o país no grupo de países mais perigosos para o exercício da comunicação no mundo. Segundo a Repórteres sem Fronteiras, o Brasil figura na posição número 102 em seu ranking de liberdade de imprensa, que inclui 180 países.
As organizações que assinam esta nota clamam ao juiz Jesseir Alcântara e ao Tribunal de Justiça de Goiás que encontrem a melhor maneira de realizar o julgamento com a infraestrutura adequada e revertam essa decisão, sob pena de estarem intensificando o cenário de impunidade e de violações contra comunicadores no país.
ABRAJI
ARTIGO 19
Comitê para Proteção de Jornalistas
Instituto Vladimir Herzog
Repórteres Sem Fronteiras