A ARTIGO 19 se soma às vozes que repudiam qualquer tipo de celebração de regimes autoritários e permeados por graves violações de direitos humanos, como as que marcaram a Ditadura Militar no Brasil (1964-1985), destacando a importância das mobilizações de grupos da sociedade civil para preservar o direito à memória, verdade e justiça e os princípios democráticos nesse momento desafiador da nossa história.
O direito à memória, verdade e justiça é intrínseco ao direito da sociedade à informação e fundamental para garantir que graves violações, como as cometidas por ditaduras civis-militares na América Latina, não se perpetuarão ou voltarão a acontecer. Nesse sentido, destacamos a importância da ação rápida de diferentes esferas do poder público no sentido de preservar esses direitos, como o pedido de liminar apresentado pela Defensoria Pública da União, assinado pelo Instituto Vladimir Herzog e outros familiares de vítimas da ditadura, e, na sequência, a decisão do Poder Judiciário de proibir* o Executivo Federal de realizar comemorações neste dia 31 de março, data que marca 55 anos do golpe militar no Brasil.
Destacamos a importância ainda de manifestações de organismos internacionais, como a realizada pelo relator especial das Nações Unidas sobre promoção da verdade, justiça, reparação e garantias de não-repetição, Fabián Salvioli, que reforçou: qualquer tentativa de minimizar ou relevar graves violações de direitos humanos do passado deve ser claramente rejeitada por todas as autoridades e pela sociedade.
É lamentável que, na contramão destes princípios, o mandato do atual presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, propague uma narrativa de ‘celebração’ , que negue ou mesmo minimize as graves violações que não só marcam nosso passado, mas cujos efeitos negativos têm desafiado todos aqueles que atuam pela garantia de direitos sociais até os dias atuais. Nesse sentido, nos somamos ao repúdio expressado pela Comissão Permanente de Comunicação e Liberdade de Expressão do Conselho Nacional de Direitos Humanos em relação a proibição da utilização dos termos “golpe” e “ditadura” na Empresa Brasil de Comunicação (EBC).
Reforçamos ainda que é necessário desmontar a cultura do sigilo que reina sobre esse tema para que toda a sociedade tenha ciência dos abusos e atrocidades cometidos por governos autoritários. Diante da importância do direito à memória e à verdade, reunimos aqui informações para serem relembradas e que colocam qualquer ato de ‘celebração’ no campo da afronta a direitos e princípios democráticos:
– Em 1995, por meio da Lei nº 9.140, o Estado brasileiro reconheceu como mortas dezenas de pessoas que, em razão de participação ou acusação de ligação com atividades políticas no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979, encontravam-se desaparecidas.
– Em 2014, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) divulgou seu relatório final, reunindo informações sobre as mortes de 434 vítimas e o envolvimento de 377 agentes do Estado em crimes contra os direitos humanos no período.
– No capítulo “Violência sexual, violência de gênero e violência contra crianças e adolescentes” do relatório, o estupro é identificado como método de tortura física e psicológica adotado como política institucional de Estado durante a Ditadura Militar.
– No compilado sobre eixos temáticos, o relatório da CNV relata ainda perseguições e violações no próprio meio militar, contra camponeses, povos indígenas, igrejas cristãs e nas universidades. O mesmo relatório relata a realização de rondas sistemáticas para ameaçar e prender travestis, gays e lésbicas.
– Depoimentos colhidos pela Comissão da Verdade Rubens Paiva, da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, reunidos no livro Infância Roubada, revelam ainda a prática de sequestro, torturas físicas e psicológicas de crianças nos centros clandestinos da Ditadura naquele período.
*Atualização: A liminar que proibia as comemorações foi cassada pela Justiça Federal neste sábado, dia 30 de março.