Decreto que amplia cargos que podem atribuir sigilo ultrasessecreto à informação pública é preocupante e contraria a LAI

Com o Decreto 9.690/2019, publicado nesta quinta-feira (24/01) no Diário Oficial da União, o governo federal amplia o número de pessoas que podem deixar um documento ou informação pública longe da sociedade por 25 ou 15 anos ao permitir que servidores comissionados, entre outros agentes públicos, imponham sigilo ultrassecreto e secreto. Pela forma que foi feita e pelo conteúdo, sua promulgação logo no início de um novo mandato traz um alerta, ao indicar uma tendência de redução da transparência e não participação da população em questões fundamentais.

Permitir que pessoas em cargos comissionados – que são temporários e indicações de confiança, não necessariamente concursados e com conhecimento técnico – atribuam sigilo ultrassecreto e secreto a documentos e informações públicas contraria padrões internacionais, afronta princípios constitucionais e contraria o artigo 27 da Lei de Acesso a Informação (LAI), que no parágrafo III, determina: aqueles que exercem funções de direção, comando ou chefia, nível DAS 101.5, ou superior, do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores, ou de hierarquia equivalente, somente poderiam decretar o sigilo de documentos reservados – e não secretos ou ultrassecretos.

Uma vez que o princípio das normativas de direito público é de que os agentes só estão autorizados a fazer o que está expressamente previsto em lei, não à toa, o decreto anterior refletia esse trecho da LAI e vedava a competência de atribuição de graus secretos e ultrassecretos a esse tipo de cargo. Além disso, a Constituição Federal também aponta que o sigilo deve ser a exceção e, portanto, a transparência é a regra na gestão pública. Dessa forma, o decreto caminha na contramão dos princípios constitucionais ao abrir um precedente para que haja um aumento na quantidade de informações classificadas como ultrassecretas e secretas.

A mudança é ainda mais preocupante quando consideramos o contexto nacional, em que a implementação da LAI e a transparência governamental são processos que vêm sendo construídos, mas ainda não estão consolidados em todo país – ou seja, não necessariamente os profissionais que estarão nos cargos citados estarão capacitados para interpretar a lei.

Fica evidente, portanto, a provável diminuição do acesso e circulação de informações públicas, que pode conduzir à violação do direito à informação da população como um todo. Além disso, vale lembrar que a transparência e a capacidade da sociedade acompanhar o poder público são pilares fundamentais para um combate real e efetivo à corrupção no país – algo que está no centro da preocupação de uma grande parcela da população.

“É preocupante que um decreto que impacta no direto à informação de toda sociedade tenha sido realizado sem processos participativos, como os que marcaram, por exemplo, a elaboração da Lei de Acesso a Informação no Brasil antes que ela fosse aprovada em 2012. Não houve diálogo com a sociedade civil ou mesmo com os demais poderes, incluindo as casas legislativa que aprovaram a LAI. A lógica é simples: quanto mais pessoas puderem decidir sobre o segredo, menos transparência e mais burocracia”, aponta Joara Marchezini, coordenadora do programa de Acesso à Informação da ARTIGO 19.

A ARTIGO 19 se soma às organizações que veem com preocupação a alteração e solicitam a revogação do decreto, reforçando a importância de que alterações como essas sejam sempre discutidas com o conjunto dos poderes e da sociedade.

Por trazer aspectos de ilegalidade, inconstitucionalidade e ir numa direção contrária ao espírito da LAI, esperamos que as diferentes esferas do poder público – como o Ministério Público Federal, o poder legislativo e o sistema de justiça – tomem medidas para garantir a transparência no país. Seguiremos acompanhando e avaliando os impactos do decreto, buscando sempre construir caminhos, ações e parcerias pela prevalência de direitos fundamentais, como o de acesso à informação pública.

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