Militarização da sociedade brasileira causa riscos à liberdade de expressão

No último dia 13, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, expediu uma portaria que autoriza o uso da Força Nacional de Segurança Pública durante manifestações na Esplanada dos Ministérios, em Brasília (DF). Em tese, o órgão é responsável por preservar e garantir a ordem pública, agindo em resposta a requisições dos governos estaduais diante de situações de “distúrbios civis” que supostamente fujam ao controle das forças de segurança locais.

O Estado Brasileiro vem impulsionando um amplo e crescente processo de militarização da sociedade, que tem como foco central as periferias e favelas, mas que também se materializa no contexto de protestos sociais. No primeiro caso, destaca-se a intervenção federal em curso no estado do Rio de Janeiro, mas, antes dela, outras operações foram realizadas nas favelas da cidade com base na Garantia da Lei e da Ordem e sob o contexto dos megaeventos.

A justificativa de “restabelecer a ordem”, no entanto, não apresenta resultados concretos na redução dos índices de violência no Rio, de modo que foram registrados números muito mais alarmantes de violações do que resultados positivos desde que a intervenção está em voga. Como mostra o relatório “À deriva: sem programa, sem resultado, sem rumo”, produzido pelo Observatório da Intervenção a fim de monitorar ações relativas a intervenção. O alerta de organizações que atuam com direitos humanos e segurança pública e os próprios defensores de direitos humanos das favelas do Rio de Janeiro é de que a violência e a violação de direitos é cotidiana nos territórios ocupados pelas forças de segurança nacional.

No contexto de todo esse cenário, vários setores da sociedade têm questionado a intervenção militar como uma medida inconstitucional que fragiliza as instituições democráticas. Uma das ações adotadas foi denunciar as violações em audiência na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA), na República Dominicana.

No caso dos protestos, este tipo de processo de militarização pôde ser observado, por exemplo, durante a greve dos caminhoneiros em 2018 e também durante protestos na Esplanada dos Ministérios em 2017. Em tentativa de reprimir manifestantes que protestavam contra o governo, o presidente Michel Temer decretou o uso das Forças Armadas alegando que a polícia legislativa e a Polícia Militar eram insuficientes para conter o problema de risco à ordem.

Entendemos que, nesta esfera, a repressão do Estado por meio da militarização insere-se em um contexto de articulação institucional para a restrição do exercício deste direito, processo que ganhou força com a onda de protestos que aconteceram em junho de 2013.

Vale destacar que, conforme essa portaria específica demonstra, não se trata apenas do emprego das Forças Armadas na segurança pública, mas também da multiplicidade de forças de segurança mobilizadas, em caráter de excepcionalidade, para ‘’enfrentar’’ manifestações públicas.

O documento reforça a tese de que o Executivo, ao lado do Legislativo e do Judiciário, tem agido de forma sistemática para reprimir e criminalizar o direito de protesto no Brasil nos últimos anos. Essa é uma das constatações que figuram no infográfico “5 anos de junho de 2013”, lançado em junho deste ano pela ARTIGO 19.

É importante salientar ainda que a portaria desrespeita os padrões internacionais de direitos humanos que determinam que as Forças Armadas somente podem ser usadas em situações de excepcionalidade, devendo haver uma justificativa concreta para ser posta em prática.

A ARTIGO 19 vê com preocupação a postura adotada pelo principal órgão de Segurança Pública do país, uma vez que medidas como essa podem incorrer em cerceamento da liberdade de expressão, um direito fundamental. O argumento alegado de risco à “segurança da sociedade e do Estado brasileiro” mesmo que episódico, não deve se sobrepor ao direito da sociedade de manifestar o que pensam as autoridades públicas nesse tema.

Além disso, consideramos como agravante todas as violações que vão para além da liberdade de se expressar, mas também de circular, viver e existir dentro de um contexto militarizado pelo Estado, como o contexto das periferias e favelas submetidas a ocupação do exército.

Por tudo isso, a ARTIGO 19 enfatiza a importância de garantir o direito de protesto a toda e qualquer pessoa, de modo que o Estado brasileiro passe a adotar medidas concretas e abrangentes para combater o cenário de violações contra a população, e não agir com repressão pelo ato de se expressar.

Foto: Raphael Sanchez 

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