Entidades cobram medidas de Estados para conter violência contra comunicadores da AL e Caribe


Representantes de organizações latino-americanas e caribenhas da IFEX (rede global que atua em prol da liberdade de expressão) reunidos em Quito, no Equador, realizaram nesta quarta (25) uma coletiva de imprensa com o objetivo de chamar atenção aos recentes episódios de violência contra comunicadores ocorridos em países da América Latina e Caribe.

A coletiva se deu com base em nota conjunta publicada pelas entidades (veja o texto na íntegra abaixo) na qual cobram dos Estados da região a implementação de “medidas de proteção efetivas” e a eliminação da “impunidade dos casos de violência” que afetam os comunicadores latino-americanos e caribenhos.

A nota dá destaque ao sequestro e provável assassinato do jornalista Javier Ortega, do fotojornalista Paúl Rivas e do motorista Efraín Segarra, todos do Equador, por um grupo guerrilheiro colombiano, no início de abril. Lembra também os homicídios do fotojornalista haitiano Vladimir Legagneur e do jornalista nicaraguense Ángel Gahona – este último morto a tiros enquanto transmitia protestos de rua em seu país.

No Brasil, desde o início do ano, dois comunicadores foram assassinados: o jornalista Ueliton Brizon, de Cacoal (RO) e o radialista Jefferson Pureza, de Edealina (GO).

Para além dos assassinatos, as entidades ainda apontam a intensificação de outras modalidades de violência que têm acometido comunicadores no Brasil, México, Paraguai, Peru, Uruguai, Guatemala, Bolívia, Argentina, Venezuela, e em outros países caribenhos.

Por fim, a nota recorda que os padrões do Sistema Interamericano determinam “a responsabilidade dos Estados em garantir o livre exercício do jornalismo e resguardar o direito à liberdade de expressão”.

Leia a íntegra da nota abaixo:

Grave tendência de violações à liberdade de expressão na região

16 comunicadores já foram assassinados em 2018 na América Latina e Caribe

Organizações latino-americanas de liberdade de expressão reunidas em Quito, Equador, expressam sua preocupação e fazem um chamado urgente para os Estados da América Latina e Caribe implementarem medidas de proteção efetivas e acabarem com a impunidade dos casos de violência que afetam comunicadores da região.

Hoje, 25 de abril, há um mês do sequestro da equipe de reportagem do Diario El Comercio, de Quito, que ocorreu na fronteira entre a Colômbia e o Equador (e que, segundo últimas informações, culminou em seu assassinato), as 24 organizações membros da rede IFEX-ALC para a defesa da liberdade de expressão e do exercício da comunicação  de maneira livre, independente e segura, levantamos uma voz de alerta sobre o que se percebe como uma tendência crescente na região, com 16 assassinatos de comunicadores até agora este ano.

Exigimos de todos os Estados da América Latina e do Caribe a implementação urgente de medidas efetivas que permitam garantir a integridade física de comunicadores em seus terrirórios, assim como a investigação ágil e a devida sanção nos casos de violência e assassinato dos quais sejam vítimas.

É inaceitável a pouca efetividade dos Estados e a falta de coordenação para proteger de forma efetiva a vida dos comunicadores em coberturas complexas, como aconteceu recentemente com o sequestro triplo e provável assassinato do jornalista Javier Ortega, do repórter fotográfico Paúl Rivas e do motorista Efraín Segarra nas mãos da Frente Oliver Sinisterra, grupo dissidente das FARC e conhecido por seus vínculos com o narcotráfico.

É também inaceitável a falta de ação dos Estados diante da impunidade que hoje marca casos como o do assassinato do repórter fotográfico Vladimir Legagneur no Haiti, no qual depois de mais de um mês de seu assassinato, o Estado ainda falha em apresentar sequer uma identificação positiva do seu corpo. O caso reforça a triste lista de casos anteriores de assassinato de comunicadores que seguem impunes desde o ano de 2000 no país.

A violência contra comunicadores e integrantes de meios de comunicação constitui umas das formas mais extremas de censura. É importante ressaltar que os padrões do Sistema Interamericano de Direitos Humanos expressam claramente que é responsabilidade dos Estados garantir o livre exercício da comunicação e o direito à liberdade de expressão. Sobre essa questão, a Corte Interamericana de Direitos Humanos ressaltou: “o exercício jornalístico só pode se concretizar livremente quando as pessoas que o realizam não são vítimas de ameaças nem de agressões físicas, psicológicas ou morais, ou outros casos de intimidação. Esses atos constituem sérios obstáculos para o pleno exercício da liberdade de expressão”.

Outras formas de violência

A violência contra comunicadores hoje assume diversas formas na região. Muitos dos comunicadores que são vítimas de violência, ou que morrem no exercício de sua atividade, assim o são em decorrência de denúncias ou investigações sobre ações do narcotráfico relacionadas à corrupção e ao crime organizado, problemas esses que ameaçam a institucionalidade dos Estados e dos quais estes são cúmplices, seja diretamente ou por omissão. Nesses contextos, a atividade da imprensa é a única forma pela qual os cidadãos conseguem informar a situação que os afeta. Casos emblemáticos dessa forma de violência podem ser encontrados no México e na Guatemala, e infelizmente o Equador soma-se a essa lista com o caso recente do provável assassinato da equipe de reportagem do Diario El Comercio.

Em outros casos, trata-se de uma violência contra comunicadores articulada e exercida diretamente por agentes do Estado no contexto de manifestações de movimentos sociais ou motivadas por conflitos políticos. Exemplo disso é a situação ocorrida no Brasil e na Venezuela durante os últimos anos, assim como nos últimos dias soma-se a situação que ocorre na Nicarágua, em que a tentativa de reforma da Previdência Social imposta pelo governo de Daniel Ortega desencadeou uma série de protestos populares que foram reprimidos pela polícia, com um saldo de mais de 30 mortos e vários feridos. No sábado, 21, o jornalista Ángel Gahona foi assassinado a tiros enquanto transmitia ao vivo os protestos sociais na Nicarágua. A porta-voz do escritório das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Liz Throssell, fez um chamado urgente ao governo da Nicarágua para que respeite os direitos de liberdade de expressão, de reunião pacífica e de associação. Nesse contexto, na Argentina os principais agressores da imprensa em geral foram distintas forças de segurança nacionais e locais, responsáveis por 43% dos ataques registrados ano passado. Nesse sentido, é importante destacar a situação das manifestações de rua no país, onde ocorreram 91 dos 132 casos, com as forças de segurança agindo como as principais agressoras e o resto dos ataques sendo cometidos por manifestantes radicalizados[1].

No Brasil, México, Paraguai e Peru, registra-se como a violência contra comunicadores é exercida particularmente pelos poderes políticos locais para censurar a circulação de informação que os desfavorece. É esperado um agravamento dessa tendência por ser ano eleitoral nesses países.

Aos casos de violência física se somam os ataques a comunicadores por meio de processos judiciais, que foram registrados no Peru, Uruguai e Venezuela. Tais ações judiciais com fins intimidatórios são iniciadas por diferentes autoridades públicas ou poderes econômicos que acusam os comunicadores de serem responsáveis pelo mal-estar social por meio de sua ação investigativa que revela casos de abuso de poder e corrupção que os envolvem.

Também foram registrados ataques coordenados, no espaço digital, contra comunicadores da região por motivações políticas em países do Caribe, na Guatemala, na Nicarágua e na Venezuela, incluindo espionagem ilegal por meio de um software espião, como aconteceu no México, que foi tema de um caso apresentado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

Por fim, a violência econômica contra a imprensa se manifesta também na Bolívia e no México, com a marginalização dos meios independentes e críticos das forças políticas no poder, por meio de legislação que permite impor condições exorbitantes para a difusão de propaganda de programas governamentais ou regulações que permitem o controle da imprensa por meio do poder econômico da publicidade oficial. Isso também acontece na Argentina, onde os meios provinciais podem ser influenciados pela distribuição de publicidade oficial, que em muitos casos representa sua maior fonte de financiamento.

É preocupante que essas tendências, longe de serem encerradas, parecem na verdade estar aumentando na região. Assim como a diversidade da violência sofrida pela imprensa se complexifica e se sofistica, a resposta dos Estados da região se faz mais urgente.

Por meio do sistema de Revisão Periódica Universal da ONU, vários Estados da região, como Guatemala [2], Brasil [3], México [4] e Paraguai [5], assumiram o compromisso de adotar mecanismos de proteção a comunicadores. Ainda assim, estes não foram devidamente estabelecidos, ou quando foram implementados mostraram-se inefetivos. Demanda-se que esses e os outros Estados da América Latina e do Caribe assumam responsabilidade pela implementação de medidas efetivas de proteção do exercício da liberdade de expressão por meio da garantia de uma imprensa livre de ameaças no exercício de sua função de difundir informações de interesse público [6].

Clamamos aos governos da América Latina e do Caribe que tomem ações concretas para proteger de forma efetiva o exercício da liberdade de expressão como direito humano e que abandonem o cenário de impunidade em que os Estados são responsáveis diretos ou cúmplices da violência e do assassinato de comunicadores em nossa região.

As organizações que compõe a Aliança IFEX-ALC são:

Articulo 19 (México y Centroamérica)
Artigo 19 (Brasil)
Asociación Nacional de la Prensa
Asociación por los Derechos Civiles
Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo
Association of Caribbean Media Workers
Centro de Archivos y Acceso a la Información Pública
Centro de Reportes Informativos sobre Guatemala
Centro Nacional de Comunicación Social
Comité por la Libre Expresión
Derechos Digitales
Espacio Público
Foro de Periodismo Argentino
Fundación Karisma
Fundación para la Libertad de Prensa
Fundamedios – Fundación Andina para la Observación y el Estudio de Medios
Instituto de Prensa y Libertad de Expresión – IPLEX
Instituto Prensa y Sociedad
Instituto Prensa y Sociedad de Venezuela
Observatorio Latinoamericano de Regulación, Medios y Convergencia – OBSERVACOM
Observatorio Latinoamericano para la Libertad de Expresión
Sindicato de Periodistas del Paraguay
Trinidad and Tobago’s Publishers and Broadcasters Association
World Association of Newspapers and News Publishers

[1] http://monitoreofopea.com/17/
[2] Relatório do primeiro ciclo do RPU. 2012. Disponível em: https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G12/157/63/pdf/G1215763.pdf?OpenElement
[3] https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G17/194/15/PDF/G1719415.pdf?OpenElement
[4] Ver: RPU primero e segundo ciclo. Há menções do Estado sobre a adoção da lei que criou o mecanismo de proteção. https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G09/163/24/PDF/G0916324.pdf?OpenElement y https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G13/189/45/PDF/G1318945.pdf?OpenElement
[5] Ver RPU 2016. Há uma pequena menção que estaria-se trabalhando na elaboração de uma lei para criar um mecanismo de proteção. https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G16/075/52/PDF/G1607552.pdf?OpenElement
[6] No caso da Guatemala, na visita in loco da CIDH em 2017, o próprio Presidente anunciou que se criaria o mecanismo. A CIDH recomendou em seu relatório sobre o país que o mecanismo seja criado seguindo os padrões internacionais (http://www.oas.org/es/cidh/informes/pdfs/Guatemala2017-es.pdf). No caso do México, a CIDH tamvém realizou várias recomendações relacionadas ao funcionamento do mecanismo (http://www.oas.org/es/cidh/docs/anual/2017/docs/IA2017cap.5MX-es.pdf)

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