A intenção do governo da Malásia em aprovar uma lei que visa restringir as “notícias falsas” (“fake news”) gerou reações na sociedade civil daquele país. Uma nota pública foi assinada por 16 organizações, entre as quais a ARTIGO 19, criticando a medida por conta do receio de um aumento de violações à liberdade de expressão caso a lei seja aprovada.
Na nota pública, as entidades afirmam que “a noção de ‘notícias falsas’ é extremamente vaga e aberta a interpretações arbitrárias”, e apontam que “uma legislação que criminalize ou censure as ‘notícias falsas’ irá provavelmente dar às autoridades o poder de determinar quais informações poderão ou não ser acessadas”.
A nota cita também a “Declaração Conjunta sobre Liberdade de Expressão e “Notícias Falsas“, elaborada no âmbito da ONU, que condena propostas legislativas que visam genericamente combater as ‘notícias falsas’, por serem “incompatíveis com padrões internacionais para a restrição à liberdade de expressão”.
Veja a nota abaixo na íntegra:
Nós, as organizações da sociedade civil abaixo assinadas, estamos profundamente preocupadas com a possível apresentação no parlamento, nesta semana, de um projeto de lei (PL) que prevê a retirada de “notícias falsas” (“fake news”) da rede de internet no país. O projeto, caso adotado, integrará o quadro de leis repressivas que têm sido utilizadas para violar o direito à liberdade de expressão e de imprensa na Malásia.
Nós conclamamos ao governo que retire o projeto de lei de deliberações, pois acreditamos que o mesmo pode ser usado como uma tentativa de sufocar o debate público e criminalizar aqueles que denunciarem atos de corrupção e de violações de direitos humanos.
Com as eleições gerais no país em vias de acontecer, estamos preocupados que o projeto de lei das “notícias falsas” possa ser usado para criminalizar denúncias contra irregularidades do governo, emissão de críticas e manifestações da oposição política.
Somadas a essas preocupações estão as inadequadas proteções constitucionais ao direito à liberdade de expressão na Malásia. Autoridades do país vêm processando, de forma seletiva, políticos da oposição, defensores de direitos humanos e jornalistas por exercerem esse direito.
O PL foi acordado na última semana pelo governo e deve ser apresentado ao Parlamento nos próximos dias, antes das eleições, que ocorrerão em agosto. Segundo o governo malaio, o projeto é necessário para defender a “segurança nacional e a ordem pública” e não afetará a liberdade de expressão no país segundo o que prevê a Constituição do país.
Todavia, a noção de “notícias falsas” é extremamente vaga e aberta a interpretações arbitrárias. Uma legislação que criminalize ou censure “notícias falsas” irá provavelmente dar às autoridades o poder de determinar quais informações poderão ou não ser acessadas. Com certa frequência, leis propostas para proteger a sociedade da “desinformação” podem funcionar como meios de restrição de visões ou ideias dissidentes, e, no limite, violar o direito à liberdade de expressão.
Embora a Malásia não tenha ratificado o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos — que protege o direito à liberdade de expressão — padrões internacionais sobre o tema afirmam que restrições a esse direito que tenham por fim proteger a segurança nacional e ordem pública só podem ser levadas adiante caso estejam previstas em lei, sejam necessárias, e sejam proporcionais para o alcance de seus objetivos.
Relatores Especiais da ONU deixaram claro na “Declaração Conjunta sobre Liberdade de Expressão e “Notícias Falsas” que restrições amplas às “notícias falsas” não observam essas condições. A declaração afirma que “proibições gerais à disseminação de informação baseada em ideias vagas e ambíguas, incluindo “notícias falsas” ou “informação não-objetiva”, são incompatíveis com padrões internacionais para a restrição à liberdade de expressão.
Na Malásia, a aprovação de uma lei sobre “notícias falsas” pode aprofundar um ambiente já restritivo para a liberdade de expressão e contribuir para suprimir o debate público e críticas legítimas a membros do poder público e outros indivíduos poderosos.
Recentemente, o Ministério de Comunicações e Multimídia avisou que “ações severas” seriam tomadas contra aqueles que “difundem notícias falsas” em relação ao escândalo da 1Malaysia Development Berhad (1MBD), no qual o primeiro ministro Najib Razak está envolvido. O ministro de Comunicações e Multimídia, Jailani Johari, afirmou que informações relacionadas ao 1MDB que não advenham de fontes governamentais serão consideradas “notícias falsas”, o que estabelece as autoridades do país como juízes da verdade.
A questão é agravada pela falta de transparência causada pelo uso abusivo dos Atos de Sigilos Oficiais e a falta de uma legislação abrangente de acesso à informação. Amparadas no repressivo Ato de Comunicações e Multimídia, as autoridades já haviam reprimido algumas pessoas que denunciaram o escândalo da 1MDB no passado.
Também estamos preocupados com a falta de transparência do governo malaio em relação ao PL proposto. O governo excluiu atores chave da sociedade civil organizada e da comunidade de defensores de direitos humanos de consultas sobre o projeto e ainda não publicou seu texto final. Quaisquer esforços para lidar com a disseminação de informações falsas online devem ser realizados de forma transparente e com oportunidades para consultas, além de evitar restrições criminais demasiadamente amplas à livre expressão.
Muitas das leis existentes usadas para restringir a liberdade de expressão na Malásia – incluindo dispositivos relativos a falsa informação, calúnia e conteúdo malicioso online e offline – são exageradamente amplos e restritivos. Conclamamos o governo malaio a priorizar a revisão dessas leis para adequá-las aos padrões internacionais de direitos humanos.
Conclamamos ainda o governo a desistir imediatamente do PL de “notícias falsas” e garantir que quaisquer propostas legislativas que tenham implicações para os meios de comunicação ou para a sociedade civil sejam desenvolvidas em consulta com todas as partes interessadas. É fundamental que o governo tome medidas efetivas para desenvolver um ambiente propício à liberdade de expressão no país em sintonia com os padrões internacionais antes das eleições. É importante também que se coloque um fim ao uso de brechas em instrumentos legislativos para restringir esse direito.
A expressão “noticias falsas” (“fake news”) pode ser cada vez mais popular, mas não pode servir como motivo para que o governo viole a liberdade de expressão e censure a crítica.
Assinam esta nota:
- ARTICLE 19
- Aliran Kesedaran Negara (ALIRAN)
- Center to Combat Corruption and Cronyism (C4 Center)
- Centre for Independent Journalism (CIJ)
- CIVICUS- World Alliance for Citizen Participation
- Diversity Malaysia
- GERAK (Pergerakan Tenaga Akademik Malaysia)
- Justice for Sisters
- PELANGI – Campaign for Equality and Human Rights Initiative
- Persatuan Kesedaran Komuniti Selangor
- Projek Dialog
- Pusat KOMAS
- Sinar Project
- Sisters in Islam (SIS)
- Suara Rakyat Malaysia (SUARAM)
- Women’s Aid Organisation (WAO)