Diante das recentes manifestações que atentam contra a livre expressão artística, ocorridas em diversas regiões do país e tendo como alvo museus, teatros e exposições de artes, as instituições que subscrevem esta nota entendem que a sociedade brasileira não pode se curvar diante de pressões arbitrárias incensadas por alguns poucos grupos radicais, refratários aos princípios que organizam a convivência democrática.

Ao mesmo tempo, reconhecendo que estes episódios terminaram por garantir visibilidade a um conjunto de questões de alta relevância e complexidade, consideramos que as respostas mais adequadas aos desafios atualmente colocados demandam um amplo debate, reunindo os diversos setores interessados. Soluções apressadas aos ataques proferidos podem vir, involuntariamente, a gerar graves consequências no que se refere seja à livre expressão e manifestação artística, seja ao direito de crianças e adolescentes contarem com pleno acesso à cultura.

Merece registro o fato de que diferentes propostas vêm sendo trazidas a público por organizações do campo artístico-cultural, fomentando a reflexão sobre o desenvolvimento de um mecanismo de orientação às famílias, mães, pais e responsáveis, passível de ser adotado para mostras e exposições de artes visuais.

Não por acaso, com frequência, a política pública de Classificação Indicativa de obras audiovisuais tem sido apresentada como referência para a formulação desse novo instrumento de mediação parental. Assim, na condição de entidades que integram o Comitê de Acompanhamento da Sociedade Civil (CASC), órgão criado pelo Ministério da Justiça para apoiar o monitoramento desta política, trazemos nossa contribuição ao presente debate, considerando os méritos do sistema implementado pela Secretaria Nacional de Justiça e Cidadania.

– Construção participativa e solidamente fundamentada

– Modelo corregulatório

– De acordo com os princípios constitucionais

– Elevado nível de coerência

– Reconhecimento público

– Alinhamento com os padrões internacionais

Diante de tal histórico, parece razoável que os atores interessados em formular um mecanismo de orientação etária voltado para mostras e exposições de artes considerem a experiência acumulada pela política de Classificação Indicativa.

Por outro lado, deve ficar claro que não há receitas prontas para um contexto tão desafiador. O fato de que o modelo aplicado nos últimos dez anos no setor audiovisual vem sendo extremamente bem-sucedido não é suficiente para assegurar que uma transferência automática para o campo das artes plásticas traria os resultados esperados.

Tanto as obras expostas como as galerias de arte, museus e centros culturais apresentam características próprias, que não admitem a mera aplicação, em seu âmbito, dos critérios consolidados no Manual da Classificação Indicativa – o qual foi desenhado para responder às especificidades dos produtos audiovisuais e de seus meios de veiculação. Um eventual sistema a ser desenvolvido e adotado pelo setor das artes plásticas e visuais precisa contar com variáveis e indicadores que levem em consideração as particularidades dessas linguagens e de seus espaços de exibição.

Ao contrário do setor audiovisual, voltado para um público relativamente massivo e cujos critérios de classificação são objetivos, baseados em narrativas que contam com um roteiro e/ou uma história a desenrolar, a experiência estético-cultural das pessoas que visitam galerias de arte, centros culturais ou museus é de caráter subjetivo e individualizado, da mesma forma que sua relação com as obras ali expostas.

Outro elemento importante a tomar em conta é o caráter educativo desses espaços, acessados com frequência pelo sistema de ensino, em contraposição à lógica comercial da indústria do entretenimento, característica do cinema e da televisão.

Assim, nos parece necessário reiterar que qualquer processo de desenvolvimento de um instrumento informativo de classificação etária acerca de artes plásticas e visuais deve contar com a efetiva contribuição dos diferentes segmentos interessados: mães, pais, responsáveis por crianças, gestores dos espaços, comunidade artística, academia, organizações da sociedade civil, operadores do Direito e órgãos do Estado.

Um mecanismo elaborado com esse fim deve, ademais, ter um caráter essencialmente autorregulatório – ou seja, sua operação e gestão precisam estar sob responsabilidade do próprio setor. Nesse mesmo sentido, não é recomendável alterar-se a política de Classificação Indicativa com a intenção de que venha abarcar estas novas linguagens.

A turbulência promovida como um fim em si mesmo somente pode levar à polarização do espaço público, a constrangimentos à manifestação artística e à prática da autocensura. Se faz urgente, portanto, adotar medidas racionais, sustentadas pelos parâmetros internacionais que regem a liberdade de expressão artística e a garantia dos direitos de crianças e adolescentes à sua inviolabilidade física, psíquica e moral, assim como seu acesso à cultura, à arte e ao lazer.

ANDI – Comunicação e Direitos
Artigo 19
Instituto Alana
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social