Como o uso de dados pode ajudar no combate à violência de gênero na América Latina?

As mulheres sofrem diferentes tipos de violência na América Latina, sendo o feminicídio um dos mais graves deles. O registro de mazelas como essa é fundamental não só para torná-las visíveis como também para nortear a elaboração de políticas públicas que visam atacá-las.

Uma das formas de atuação nesse sentido reside na interação entre ferramentas de “tecnologia social” (termo que designa técnicas que facilitam a vida de uma determinada comunidade) e no uso de dados abertos. Tal combinação pode contribuir para a compreensão, prevenção e ações de reparação em episódios de violência contra mulheres.

No final de agosto, a ARTIGO 19 participou de uma oficina em San José, na Costa Rica, antes da quinta edição da Abrelatam e Condatos, promovida pela Iniciativa Latinoamericana pelos Dados Abertos (ILDA). Com a participação de profissionais da área de segurança, ativistas do ramo da tecnologia social e pela igualdade de gênero, foram discutidos dois pontos fundamentais. O primeiro deles dizia respeito à padronização de dados sobre feminicídios e a violência contra a mulher em geral como forma de orientar iniciativas no tema. Já o segundo tratava do desenvolvimento de projetos-piloto específicos para combater a violência contra a mulher, em que foram analisadas questões relativas a suas usabilidade e autossustentabilidade.

Padronização de dados

Existe um forte consenso entre especialistas do mundo todo sobre a necessidade de se padronizar a coleta e publicação de dados sobre feminicídios. Tal padronização, no entanto, deve se dar de acordo com os seguintes critérios:

  • Ser baseada nas necessidades do público que usará tais dados e também naquelas identificadas por um grupo ampliado de especialistas
  • Ter um mecanismo de interação que permita uma avaliação permanente do público, com o intuito de melhorá-la, de forma ágil, ao longo do tempo
  • Ser pensada de maneira a permitir sua utilização por qualquer plataforma tecnológica
  • Possuir uma licença aberta com o objetivo de tornar mais fácil sua propagação
  • Levar em consideração os marcos legais existentes nos países latino-americanos, pensando na promoção da iniciativa em nível regional

Por fim, é fundamental entender que a padronização de dados sobre feminicídios deve ocorrer amparada por uma teoria de mudança, que vise criar, dinamizar e organizar uma comunidade que possa usar tais dados no sentido de atacar o problema.

Indicadores para projetos bem-sucedidos

Na América Latina, houve alguns projetos que tentaram usar a tecnologia social para resolver problemas de violência de gênero. Esses projetos, no entanto, registraram problemas de usabilidade e sustentabilidade, bem como de segurança e privacidade. A maioria deles não foi desenvolvida com o envolvimento do público afetado, sobretudo as mulheres, e, para piorar, acabaram desaparecendo depois de um tempo.

Assim, é preciso estabelecer indicadores claros para se poder mensurar o que é considerado um projeto bem-sucedido nessa seara. Segundo os organizadores e participantes do encontro, tais projetos devem sempre explorar:

  • O uso da tecnologia combinada com uma teoria da mudança que ampare tais iniciativas
  • A implementação de processos que garantam a participação de comunidades-chave na concepção de políticas de combate à violência contra as mulheres, em especial, a participação feminina
  • A necessidade de adotar uma abordagem interativa e modular neste processo, bem como documentar abertamente o aprendizado em uma plataforma relativamente controlada e segura

Tanto a questão da padronização de dados quanto a dos projetos-piloto focados na usabilidade e sustentabilidade estarão no cerne nas linhas de ação que a ILDA promoverá, em colaboração com parceiros locais, a partir do seu programa de gênero, dados e segurança, atualmente em curso .

Em seu trabalho na promoção e defesa do direito à informação, a ARTIGO 19 também tem realçado a importância da produção de dados de qualidade, que sejam abertos e acessíveis, como forma de orientar políticas públicas que incidam sobre a questão da violência contra a mulher. Ao longo dos últimos anos, temos elaborado alguns trabalhos na área, entre os quais, estão a cartilha “Acesso à Informação e Direitos das Mulheres”  e o relatório “Violência Contra a Mulher no Brasil – Acesso à Informação e Políticas Públicas”.

*texto adaptado da publicação original “¿Pueden los datos ayudarnos a combatir la violencia de género?”

 

Foto: ONU Mulheres

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