Foi realizada nos dias 23 e 24 de setembro, no território quilombola Santa Rosa dos Pretos, em Itapecuru-Mirim (MA), a oficina “Participação e Acesso à Informação em Temas Socioambientais”, organizada pela ARTIGO 19 em parceria com a rede Justiça nos Trilhos. Cerca de 30 pessoas de quase 60 comunidades quilombolas da região expuseram a dificuldade de acessar informações públicas nas esferas federal, estadual e municipal, e discutiram possíveis estratégias para reverter esse quadro.
Um dos principais temas abordados foi a atuação do Comefc (Consórcio dos Corredores Multimodais do Maranhão) nas comunidades afetadas pela Estrada de Ferro Carajás, da mineradora Vale S.A. Criado em 2013 e formado por 22 municípios, cada qual representado por seus prefeitos e prefeitas, o consórcio público tem como discurso oficial a busca por recursos de compensação junto à Vale a fim de repassá-los às comunidades impactadas pela mineradora, entre elas, dezenas de comunidades quilombolas.
Ao longo de seus quatro anos de atuação em Itapecuru-Mirim, porém, o consórcio foi incapaz de fazer concluir obras públicas e fiscalizar a aplicação dos recursos pelo então prefeito Magno Amorim (PPS), acusado de desviar mais de R$ 3 milhões em verbas do consórcio destinados à construção de escolas, poços artesianos, estradas e projetos de piscicultura. Além disso, o consórcio tem sido alvo de diversas denúncias junto ao Ministério Público do Maranhão relativas à malversação de dinheiro público, desvio de finalidade e falta de fiscalização dos convênios mediados pelo consórcio entre a Vale e as prefeituras consorciadas.
Dirigentes do Comefc também estão sendo acusados de instrumentalizar o consórcio em benefício próprio. As pessoas participantes da oficina relataram que a falta de transparência dentro do consórcio é sistêmica, e que o discurso e a prática dos seus dirigentes e dos prefeitos e prefeitas dos municípios consorciados são incompatíveis.
Outro tema apontado como preocupante pelos participantes da oficina foi a recente demissão de dezenas de professoras, professores e de outros funcionários de escolas contratados, e o fechamento de unidades de ensino básico nas comunidades. A população não foi consultada sobre as decisões da prefeitura e nem recebeu informações posteriores.
Inclusive, trabalhadoras e trabalhadores das escolas que foram demitidos estão sendo “convidados” a assinar um contrato feito pela prefeitura onde se comprometem a trabalhar em regime de voluntariado por tempo indeterminado. Nenhum dos participantes soube dizer o porquê das demissões e nem do fechamentos de escolas, uma vez que informações sobre o assunto não foram apresentadas pela prefeitura à população.
Representantes de diversas comunidades quilombolas relataram que os atuais gestores de Itapecuru-Mirim – vários deles parentes de primeiro grau do prefeito, Miguel Lauand (PRB) – adotam alguns procedimentos que se repetem quando o assunto é impedir que a população tenha acesso a dados da gestão. Segundo os relatos, o prefeito e secretários nunca estão presentes em seus gabinetes para atender às demandas dos itapecuruenses, e, se estão, encontram-se em reuniões intermináveis, vencendo as pessoas pelo cansaço.
Ainda segundo as pessoas presentes à oficina, não raro, os gestores saem pela porta dos fundos das repartições públicas a fim de não cruzarem com quem lhes pede explicações sobre problemas que não se resolvem, pagamentos de servidores em atraso ou medidas públicas adotadas sem prévia consulta à população. Outra estratégia dos gestores municipais de Itapecuru-Mirim para barrar o acesso a informações públicas é encarregar como porta-vozes funcionários da prefeitura que não têm qualquer poder de decisão e que quase nunca apresentam informações consistentes sobre as demandas discutidas.
Mapa das autoridades e coletividade
Ao longo dos dois dias das oficinas ministradas pela ARTIGO 19 e a Justiça nos Trilhos, os participantes puderam conhecer a Lei de Acesso à Informação (LAI), sua importância e as maneiras de utilizá-la para fortalecer as lutas das comunidades quilombolas, que passa pelo acesso à água, à educação e a unidades básicas de saúde. “A gente aprendeu coisas que nem sabia, coisas importantes pra gente, e isso é muito bom”, comentou uma participante da oficina.
Uma das principais práticas do encontro foi a construção e discussão de um mapa das autoridades do Executivo, Legislativo e Judiciário, e das suas responsabilidades e atribuições no acesso a informações públicas pela população. Ao estabelecer potencialidades e limites da atuação de autoridades, os participantes da oficina discutiram formas de pressioná-las e mesmo de contar com o apoio de algumas delas, como o Ministério Público e a Defensoria Pública, na busca por informações.
Outro tema discutido foi a dimensão coletiva da luta pelo direito à informação. Individualmente, a busca pelo acesso a dados públicos pode ser tarefa cansativa em cenários como o da prefeitura Itapecuru-Mirim, em que o sigilo é a regra e a transparência é a exceção – o exato oposto do que prevê a LAI. Por isso, foi pontuada a importância de se atuar em grupo em diversas frentes, com ações coordenadas e a publicização das demandas e das respostas do poder público a elas.
“Estamos sempre aprendendo alguma coisa, e é bom ter encontros de comunidades para repassar informação. Queremos buscar informação e passar pra comunidade sobre o que é o nosso direito. A comunidade ficou feliz por saber de coisas que nem sabia, como onde buscar informações e por onde começar. O presidente de associação sozinho não consegue nada. A comunidade tem que se reunir”, disse uma liderança quilombola no final do segundo dia da oficina.
Ao fim das atividades, foi feita a proposta de uma agenda coletiva para levar informações sobre a LAI a outras comunidades.