Entrevista – O acesso à informação e as mulheres em situação de rua

Há um certo desconhecimento geral acerca do contexto no qual as mulheres em situação de rua estão inseridas e as especificidades de suas demandas. Muitas delas são dependentes químicas, gestantes ou até mesmo mães, o que torna ainda mais necessário que o Estado produza informações sobre essa realidade e implemente políticas públicas efetivas para alterá-la.

Segundo Nara Cunha, estudante de direito da Universidade de São Paulo e integrante da Clínica de Direitos Humanos Luiz Gama, mesmo assistentes sociais demonstram dificuldades em lidar com mulheres em situação de rua em função da ausência de informações claras sobre as políticas de atendimento a essa população.

Para compreender melhor o tema, a ARTIGO 19 conversou com Nara, que, por meio da Clínica, realizou uma pesquisa junto a órgãos da Prefeitura de São Paulo para obter informações sobre as políticas municipais para mulheres e crianças em situação de rua.

De acordo com a estudante, a pesquisa revelou um grande número de programas voltados para o tema sob a alçada da Secretaria de Direitos Humanos. “No entanto, observamos que muitos dos programas informados, pela especificidade da mulher em situação de rua, não a alcançam, tais como o atendimento em Unidades Básicas de Saúde”, lembra.

Além disso, segundo a estudante, a transparência em relação às políticas no setor precisa melhorar.  “O modo com que as informações foram disponibilizadas – e o modo com que são disponibilizadas na internet e nos portais da prefeitura – não permitem o acesso fácil ao cidadão e à mulher que necessita de atendimento.”

A Clínica de Direitos Humanos Luiz Gama* nasceu em 2009 e é composta majoritariamente por um grupo de alunas da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Tem por objetivo promover atividades de ensino, pesquisa e extensão sobre direitos humanos, especialmente a partir da temática da população em situação de rua. Hoje, dedica-se ao tema das mulheres que, em situação de rua ou alta vulnerabilidade social, perdem a guarda e o poder familiar sobre seus bebês. A questão será tema de um relatório e de uma série de atividades organizadas pela entidade no futuro próximo.

Leia abaixo a entrevista na íntegra.

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Conte-nos um pouco sobre os pedidos de informação acerca das políticas específicas para mulheres e gestantes.

Os pedidos foram feitos pelo sistema E-SIC e buscavam obter informações sobre a quantidade de vagas em albergues e políticas para as mulheres e crianças em situação de rua. Nossa experiência prática nos indica que as profissionais que atuam com o tema têm dúvidas acerca das políticas de atendimento a esse público.

As respostas da Secretaria de Assistência Social (Smads) e da Secretaria de Política para Mulheres mapearam diversos programas de auxílio a essas mulheres especialmente coordenados pela Secretaria de Direitos Humanos, em atuação conjunta com a Secretaria de Saúde e a própria Smads.

Por que a informação solicitada é importante? Como as informações obtidas foram usadas?

Utilizamos as informações prestadas para direcionar nossa pesquisa sobre as políticas públicas sobre o tema.

Pudemos observar, por exemplo, que muitos dos programas informados, como o atendimento em Unidades Básicas de Saúde, pela especificidade da mulher em situação de rua, não a alcançam. Verificamos também a ausência de parcerias entre as secretarias de Habitação e Educação, que possuem suas próprias políticas de atendimento. Visto que moradia e educação se enquadram como fatores que perpetuam a desigualdade e a exclusão social dessas mulheres, sem a participação dessas secretarias a discussão fica prejudicada.

Vale lembrar que há uma diretriz nacional para o trato do tema de maneira intersetorial (“nota técnica MSMDS 001.2016”) que não parece estar sendo implementada, na prática, no município.

Além disso, também sabemos que profissionais de diversas áreas, como Saúde, Assistência Social e Direitos Humanos, apontam a existência de uma grande dificuldade para se atuar em rede.  Isso faz com que um trabalho que se propõe multissetorial encontre diversos entraves no diálogo e no atendimento a essas mulheres.

E sempre é bom lembrar que no caso das mulheres em situação de rua que sejam gestantes ou já mães, a maior dificuldade de permanência com seus bebês é justamente a impossibilidade de ter uma casa ou fontes de renda para seu sustento.

De quais maneiras a falta de informação sobre políticas específicas para mulheres em situação de rua, gestantes ou mães, afeta a garantia de seus direitos?

No caso específico,  a falta de coordenação das políticas de apoio acaba guiando essas mulheres à destituição do poder familiar de suas filhas e filhos. A falta de vagas conjuntas para mães e bebês, a falta de políticas específicas para mães usuárias de drogas, especialmente com base na redução de danos, e o localismo da aplicação das políticas públicas – que leva a separações precoces muitas vezes até mesmo nas maternidades – nos leva a refletir sobre a democratização do conhecimento sobre os direitos e políticas públicas direcionados a essas mulheres e profissionais.

Atualmente, o argumento de “falta de vagas de acolhimento conjunto” para mulheres e crianças leva à separação das famílias, com as primeiras sendo levadas para Centro de Acolhida para Adultos e as últimas, para o Serviço de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescente. No entanto, essa separação pode prejudicar o desenvolvimento sadio das crianças e acarretar a destituição do poder familiar das mães, como temos visto na prática.

As mulheres, nos equipamentos públicos, são pouco informadas sobre seus direitos jurídicos de permanência com as crianças e de defesa judicial em caso de acolhimento compulsório das bebês, o que justifica a necessidade de mais estudo sobre o tema.

Para conseguir compreender essa questão, da perspectiva das políticas públicas, seria necessário responder a diversas perguntas como: qual o déficit de vagas para essas mulheres? Por que o acolhimento a crianças sozinhas é priorizado a despeito da necessidade de acolhimento das mães e gestantes? Por que a prefeitura não possui um cadastro de vagas para pessoas aguardando acolhimento, que poderia informar o déficit de vagas, a demora na obtenção, dentre outras informações relevantes?

Buscamos responder a essas perguntas e observamos que o modo com que as informações são disponibilizadas na internet e nos portais da Prefeitura não permitem o acesso fácil ao cidadão e à mulher que necessita de atendimento. Acontece que a centralização na distribuição de vagas e a falta de transparência (como no caso das listas de espera para o atendimento em equipamentos públicos) gera insegurança nas usuárias.

Assim, entendemos que nossa pesquisa tem grande potencial de reflexão sobre a articulação de políticas públicas no município.
* A Clínica de Direitos Humanos Luiz Gama é composta pela alunas Ana Clara Klink de Melo, Giovanna Olinda, Laura Salatino, Mariana Mello Henriques, Mariana Nascimento Reyna, Marina Barreto, Nara S. Cunha, Paloma Lima Santos. A coordenação é de Janaína Dantas Gomes e a auxiliar da coordenação é de Juliana Rocha Miranda. Conta também com as colaboradoras Luciana Marin Ribas, Kelseny Pinho, Thaís Dantas, Mariana Kinjo, Juliana P. Ruiz.

Foto: Gladstone Barreto | CC BY-NC 2.0

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