Ato protesta pela garantia dos direitos das mulheres e lembra caso de manifestante condenada

No dia em que a Lei Maria da Penha completou 11 anos de existência, dezenas de ativistas e representantes de organizações feministas participaram da 8ª edição do “Abraço Solidário às Mulheres em Situação de Violência”, que ocorreu em frente ao Palácio da Justiça de São Paulo, na capital paulista. O ato foi organizado pelos coletivos “Promotoras Legais Populares” e “Maria, Marias”, e contou com a presença de integrantes da ARTIGO 19.

As manifestantes criticaram a ineficiência das políticas públicas voltadas à proteção da mulher e chamaram atenção para a necessidade de que o poder público aja para reverter esse cenário

Além disso, foram discutidos também os recentes retrocessos da gestão municipal de São Paulo, que anunciou o fechamento de  cinco Centros de Defesa e Convivência da Mulher e o corte de recursos para as Casas de Passagem, que servem para o acolhimento de mulheres em situação de violência.

Ainda durante a manifestação, foi lida uma carta de Roberta da Silva, ativista condenada por alegado “ato obsceno”, em julho do ano passado, por ter exposto os seios durante a edição de 2013 da Marcha das Vadias. O caso tem sido acompanhado pela ARTIGO 19 por representar uma violação à liberdade de expressão.

Na carta, a ativista lembra que a sociedade enxerga o lugar da mulher como sendo no “lar” e que “qualquer forma de nos colocarmos levará à nossa criminalização”. Afirma ainda a necessidade de as mulheres “re-existirem” enquanto “nossos corpos forem julgados e tratados como algo menor, ou digno de situações e ações que nos ferem no corpo e na alma.”

Leia abaixo a íntegra da carta:

 

Eu, Roberta, mulher, negra, lésbica, estudante, filha, trabalhadora, educadora e entre tantas outras formas de ser, tenho 25 anos e respondo há quatro anos por um crime: “ato obsceno”.

Sou militante não-organizada (não faço parte de nenhum coletivo) e em 2013 fui presa na Marcha das Vadias de Guarulhos de forma estranha. O estranhamento aqui se refere mais uma vez ao comportamento que a Polícia Militar pode ter de maneira legal em nossas vidas. Muitas de vocês conhecem esta luta, já atuaram, ou ao menos ouviram falar a respeito. Essa Marcha ocorre em caráter mundial e nacional, e o meu caso é o primeiro registro de ocorrência do tipo.

A igreja e o Estado há muito tempo querem pautar, violentar, hipersexualizar e, portanto, criminalizar nossos corpos – estes nu ou vestido sempre foram alvo de discussões. O problema é quando essa discussão é pautada dentro de uma sociedade racista, homofóbica, machista, misógina, patriarcal, e a nossa Justiça/injustiça que está inserida nesta sociedade age de acordo com ela. Eu, assim como maior parte dos cidadãos possuo certa ignorância a respeito das “burrocracias” do Poder Judiciário, e isso contribui para que mais do que antes eu seja vítima dela.

Já sabemos que não é interessante para os poderosos que saibamos dos nossos direitos – vejam que a educação é uma das primeiras a ser atacada quando se há mudança na política do nosso país – se é que os mesmos existem quando se refere a nós mulheres. Se negras e pobres aí mais ainda eles nos estão distantes.

O capitalismo mecanizou a sociedade e ensinou que devemos obedecer, que nosso lugar é o lar/privado, e que qualquer forma de nos colocarmos – e obviamente nos colocaremos contrárias a este modelo vigente – levará à nossa criminalização.

Eu, assim como vocês, sou rebelde, contrária à lei, aos reis, e portanto devo ser punida? Não. Há tempos me pergunto: quantas Cláudias, Marias, Luanas serão torturadas, mortas, para que a sociedade veja que o feminicídio é algo real, que não é coisa criada pelas feministas?

O meu caso está sendo encaminhado para o Supremo Tribunal Federal, ou seja, de certa forma mais um processo de dor e medos. Afinal sabemos que a militância está longe de ter sossego: é muito perrengue, cercada de medos e receios de não ser a próxima vítima, ou de não ter mais uma companheira como vítima (se é que é possível), já que as violências são diárias.

Sabemos que a luta é coletiva e organizada, então a minha presença aqui é de apoio – e para pedir apoio – já que os nossos silêncios devem ser rompidos, e quando ele existir, que seja apenas o silêncio dos “há-braços”.

Então hoje estou aqui para somar e juntas nos multiplicarmos nesta luta!

Que a justiça não seja cega, e que não esqueçamos que precisamos “re-existir”, enquanto, na militância ou longe dela, nos olharem e nos tratarem como inferior ao sexo masculino, enquanto nossos corpos forem julgados e tratados como menor, ou digno de situações e ações que nos ferem no corpo e na alma.

Nos cuidemos, nos olhemos e respeitemos nossas igualdades e diferenças!

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