Decisão que proíbe manifestações em Curitiba limita direito de protesto

 

A ARTIGO 19 condena a decisão judicial que proíbe manifestantes de se reunir em região próxima ao prédio da Justiça Federal, em Curitiba, durante o depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva agendado para ocorrer nesta quarta-feira (10), como parte das investigações da Operação Lava-Jato.

A decisão foi tomada no último dia 5 pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), que aceitou uma ação de interdito proibitório – um instrumento jurídico que visa garantir a posse de alguém – movida pela Prefeitura de Curitiba para impedir que indivíduos e militantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e de outros grupos que estejam no local possam se manifestar.

Na justificativa dada para a ação, a Prefeitura de Curitiba alega que caso haja “a ocupação das ruas e praças da cidade, especialmente no entorno da Justiça Federal, certamente haverá grave lesão à ordem e a segurança públicas, tendo em vista que a ameaça de violência será iminente”.

A decisão judicial determinou que pedestres e veículos estão proibidos de circular em uma determinada área próxima ao prédio da Justiça Federal das 23h de segunda-feira (8) às 23h de quarta-feira (10) sob pena de multas de até R$ 100 mil. Além disso, também foi proibida a montagem de acampamentos e estruturas em qualquer ponto da cidade sob pena de multa de até R$50 mil.

Diante da decisão, a Defensoria Pública do Paraná entrou com um habeas corpus coletivo requisitando a reversão de decisão original e a garantia do direito à livre manifestação. No entanto, nesta segunda-feira (8), o TJ-PR negou o pedido.

Para a ARTIGO 19, a ação da Prefeitura de Curitiba e a decisão do Tribunal de Justiça do Paraná limitam, indevidamente, o direito de protesto.

No Brasil, não tem sido raro que protestos sejam reprimidos, criminalizados e até mesmo proibidos sob o argumento da proteção da ordem pública. Contudo, é emergencial que as autoridades políticas e judiciais reconheçam que os protestos de rua são elementos essenciais de uma sociedade democrática e que tais manifestações estão inseridas no conceito de ordem pública. As decisões judiciais proferidas no Paraná apenas reforçam o distorcido conceito de que “ordem pública” e “direito de protesto” são coisas opostas ao invés de reconhecer que o respeito aos direitos humanos faz parte da ordem pública.

Vale ainda lembrar que, em abril de 2015, Curitiba foi palco de um grave episódio de violação ao direito de protesto. Na ocasião, professores e professoras da rede estadual de ensino foram proibidos de acampar em frente à Assembléia Legislativa do Paraná para se manifestar contra medidas do governo. Houve então uma dura repressão conduzida pela Polícia Militar contra os manifestantes, em ação que repercutiu no Brasil inteiro.

É importante mencionar que organismos internacionais têm se manifestado de forma sistemática sobre esse tema com o entendimento  de que a ordem pública pode ser definida como a soma das regras que garantem o funcionamento da sociedade ou o conjunto de princípios fundamentais nos quais a sociedade se pauta. Isso significa que o direito de protesto deve ser visto como um direito que garante o exercício de direitos civis, culturais, econômicos, políticos e sociais, e que pode ser exercido de diversas formas, inclusive por meio de ocupações de espaços públicos, como praças e vias.

Dessa forma, é importante enfatizar a natureza absurda da proibição da montagem de estruturas e acampamentos nas ruas e praças sob o argumento de que o direito de manifestação não pode se confundir com a possibilidade de ocupação de bens públicos ou particulares. No entanto, é necessário que o Estado compreenda que o direito de reunião engloba manifestações, greves, procissões, passeatas e, inclusive, ocupações de prédios e espaços públicos, e que é seu dever não impor restrições quanto à via pela qual as pessoas se manifestam.

O caráter discricionário da decisão judicial proferida pelo TJ-PR também salta aos olhos na medida em que é um sintoma da postura seletiva que o Estado brasileiro tem adotado em relação aos protestos que vêm ocorrendo no país nos últimos anos. Tem sido bastante evidente que, a depender da natureza da manifestação, o Estado tem facilitado ou criado dificuldades para a realização desse direito. No caso das investigações envolvendo a operação Lava-Jato, diversas manifestações têm sido registradas tanto no sentido de apoiá-la quanto no sentido de questioná-la, não cabendo ao Estado brasileiro determinar quais grupos podem ou não ocupar as ruas.

Por tudo isso, a ARTIGO 19 espera que  a proibição da ocorrência de protestos em Curitiba seja revertida, de forma a garantir que os direitos à liberdade de expressão e reunião, e o direito de protesto que deriva destes, sejam respeitados.

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