Publicação traz teses para descriminalização do desacato no Brasil

A ARTIGO 19 lança hoje (11) a publicação “Defesa da Liberdade de Expressão: teses jurídicas para a descriminalização do desacato”. O trabalho apresenta, em detalhes, duas teses jurídicas que demonstram a incompatibilidade da existência do crime de desacato no ordenamento jurídico nacional com os principais acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário.

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Em vigência no Código Penal brasileiro, o crime de desacato é um instrumento jurídico que implica graves violações ao direito à liberdade de expressão no país. Sua tipificação, que consiste na conduta de “desacatar”, ou seja, ofender de alguma forma funcionários públicos, representa uma proteção excessiva à categoria, contribuindo assim para inibir a realização de críticas direcionadas ao Estado.

Seu emprego é verificado em diversos casos em que existe uma situação de conflito entre cidadãos e funcionários públicos dos mais variados níveis, de escreventes a juízes. Também é aplicado de maneira frequente em episódios envolvendo policiais militares, como em detenções arbitrárias em protestos e nas periferias, além de performances artísticas realizadas em espaços públicos.

A primeira das teses jurídicas que constam na publicação da ARTIGO 19, intitulada “Controle de Convencionalidade do Crime de Desacato”, se ampara nos dispositivos da Convenção Americana de Direitos Humanos e em posicionamentos da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que por sua vez são taxativas no que diz respeito ao caráter intrinsecamente violador do desacato enquanto lei criminal.

Como a Convenção possui natureza supralegal no ambiente doméstico, a publicação demonstra que o Brasil deveria buscar se adequar a ela em todos os âmbitos, o que implicaria a extinção do desacato do Código Penal.

Outra questão destacada é o fato de a própria CIDH já ter manifestado entendimento de que a existência do crime de desacato viola a Convenção Americana de Direitos Humanos e o direito à liberdade de expressão. A publicação ressalta que há uma crescente adesão a essa tese e lembra alguns casos em que o entendimento foi utilizado por tribunais brasileiros em julgamentos, como na recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, que considerou que o ato de desacato não deve ser tratado como crime por ser incompatível com a Convenção.

Já a segunda tese é baseada no conceito do “Direito Penal Mínimo” e lembra as noções de proporcionalidade e de menor intrusão possível nos direitos fundamentais que são previstas no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, do qual o Brasil também é signatário.

De acordo com a tese, a aplicação de sanções criminais em casos de condenação de desacato, ainda que se trate de penas de prisão relativamente brandas ou de prestação de serviço à comunidade, é excessiva e inadequada para lidar com possíveis abusos do direito à liberdade de expressão, que deveriam ser tratados exclusivamente no âmbito cível da Justiça.

Para Paula Martins, diretora-executiva da ARTIGO 19, o desacato é uma norma obsoleta, ligada a um período histórico marcado pelo autoritarismo e pela desconsideração dos direitos humanos pelo Estado.

“O crime de desacato possui características de aplicação muito subjetivas e confere uma blindagem exagerada de funcionários públicos. Isso faz com que a lei tenha um grande potencial de restrição à liberdade de expressão, sobretudo daqueles que desejem expressar críticas ou protestar contra determinadas práticas do Estado”, lembra.

Segundo Paula, o Brasil deve seguir o exemplo de outros países latino-americanos que também já possuíram leis que criminalizavam o desacato, mas que, em determinado momento, as aboliram de seu ordenamento jurídico.

“Já vimos vários países na América Latina que, seja por meio de iniciativa do Parlamento ou por decisões de tribunais superiores, retiraram o desacato de seus códigos penais. Seria bastante positivo e necessário que o Brasil desse continuidade a esse processo e também extinguisse esse crime de sua legislação, o que não apenas beneficiaria o ambiente interno para a liberdade de expressão e informação, mas ainda poderia influenciar os demais países da região a seguir o mesmo caminho.”

A publicação “Defesa da Liberdade de Expressão” faz parte da campanha que a ARTIGO 19 promove pela descriminalização dos crimes contra a honra e do desacato, que já contou com diversas iniciativas. Veja algumas delas aqui.

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