O relator para a Liberdade de Expressão da OEA, o uruguaio Edison Lanza, participou nesta segunda-feira (26) de debate organizado pela ARTIGO 19 e o FNDC (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação) para discutir a situação da liberdade de expressão no Brasil. No evento, Lanza apresentou o relatório “Liberdade de Expressão no Brasil”, que reúne todos os capítulos sobre o Brasil produzidos pela Relatoria em seu relatório anual durante o período de 2005 a 2015.
Falando para diversos representantes da sociedade civil, o relator listou as principais violações que vêm ocorrendo no contexto brasileiro, citando a violência contra comunicadores como um problema estrutural e chamando a atenção para o alto número de assassinatos. “A forma mais terrível de se suprimir uma ideia é tirando a vida de uma pessoa e isso temos visto no Brasil com os vários assassinatos de comunicadores. Nestes casos, temos verificado algumas características especiais, como o fato de que as vítimas na maioria das vezes estão em cidades distantes dos grandes centros urbanos”, afirmou. Lanza lembrou ainda que a impunidade nos crimes reforça o “ciclo de violência contra comunicadores”.
Logo em seguida, o relator citou o papel cumprido pelo Judiciário nas violações à liberdade de expressão no Brasil por meio da aplicação de tipos penais nos casos de processos por “crimes contra a honra”, como são conhecidos a injúria, a calúnia e a difamação. O uruguaio recordou o caso do ativista Ricardo Fraga, que atualmente está proibido judicialmente de se manifestar contra um empreendimento imobiliário em São Paulo. “Trata-se de um caso de censura prévia que viola claramente a convenção da OEA sobre a liberdade de expressão”, disse.
Outra questão citada por Lanza foram os obstáculos vividos pelas rádios comunitárias brasileiras. Para o relator, o Brasil assiste ao “uso desproporcional” do código penal contra quem que se utiliza da frequência sem autorização. “Além da penalização consistente contra as rádios comunitárias que não possuem autorização, existem ainda dificuldades impostas para se acessar a frequência, o que gera um círculo vicioso: a comunidade não consegue acessar a frequência e por isso passa a sofrer perseguição”, frisou.
Na sequência, Lanza pontuou a importância de o Estado brasileiro disseminar a diversidade e o pluralismo nos meios de comunicação e lamentou a dissolução do Conselho Curador da EBC (Empresa Brasil de Comunicação), que afeta a autonomia da empresa pública. Outra medida criticada foi a recente mudança de status da Controladoria-Geral da União (CGU), órgão responsável por fiscalizar o Executivo e também por garantir o direito ao acesso à informação. “A CGU saiu de sua posição inicial, na qual possuía autonomia, e agora foi posta sob um novo Ministério de Transparência, em uma situação de mais subordinação. Por isso, as Relatorias para a Liberdade de Expressão da OEA e da ONU publicaram um comunicado em conjunto cobrando a posição do Estado brasileiro a respeito da medida, questionando também a intervenção ocorrida na EBC”, contou o relator.
Sobre os avanços registrados, Lanza mencionou as aprovações da Lei de Acesso à Informação, em 2011, e do Marco Civil da Internet, em 2014. “O Marco Civil é um avanço porque é a primeira lei que vê o acesso à internet como um direito humano. Para a Relatoria, trata-se de um exemplo que buscamos promover junto a outros países.”
No entanto, o relator manifestou preocupação sobre diversos Projetos de Lei (PLs) que podem representar retrocessos na esfera de direitos caso aprovados. “Temos vistos vários PLs no Congresso que buscam alterar o Marco Civil, ameaçando os direitos que a lei resguarda. Há outros que visam restringir o direito de manifestação, propondo diversos obstáculos, como a necessidade de notificações prévias para a ocorrência de protestos, o que viola a Constituição, que não prevê a necessidade de autorização”, ponderou.
Demais debatedores
Presente na mesa de debates, Renata Mielli, presidente do FNDC, lamentou o fato de que hoje não há ambiente político para a proposição da regulação democrática dos meios de comunicação. “A atual conjuntura nos levou de volta à era pré-Constituição, em que temos que defender a própria liberdade de expressão e resistir para que não haja retrocessos no campo dos direitos humanos”, opinou.
Já André Bezerra, presidente da Associação Juízes para a Democracia, criticou o sistema judiciário brasileiro na postura em relação ao oligopólio existente nos meios de comunicação e citou a propriedade de veículos de mídia por políticos. “Hoje em dia vemos parlamentares beneficiários de concessões de radiodifusão apesar de a Constituição proibir expressamente que isso ocorra. Agora, o Judiciário brasileiro possui a oportunidade histórica de efetivar a liberdade de expressão e cassar as concessões de políticos”, disse, se referindo à ação movida junto ao STF que pede a inconstitucionalidade da prática.
Por fim, Camila Marques, advogada da ARTIGO 19, criticou o recrudescimento do aparato repressivo do Estado brasileiro contra manifestantes. “Durante os últimos anos, ao invés de buscar garantir o direito de manifestação, o Estado brasileiro fez justamente o contrário, aprimorando técnicas de repressão e criando novos argumentos jurídicos para impedir a ocorrência de protestos. Também temos visto a aplicação de tipos penais para criminalizar manifestantes, com muitos destes sendo processados pelo crime de organização criminosa, o que é extremamente preocupante”, criticou.