Objeto de polêmica no campo de debates sobre a liberdade de expressão, a existência de leis que regulamentam os serviços de radiodifusão são importantes para impedir a formação de monopólios e oligopólios no setor, para promover o balanceamento entre os sistemas público, privado e comunitário, e ainda para garantir que outros direitos humanos também sejam respeitados, assegurando ao mesmo tempo a independência dos meios de comunicação. Encontrar tal equilíbrio no texto das normas é essencial.
Nos últimos anos, alguns países da América Latina promulgaram leis dessa natureza, gerando reações de apoio e críticas. Um deles foi o Uruguai, que em dezembro de 2013 aprovou a Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, também conhecida como “Lei de Meios”.
Até hoje a lei enfrenta uma série de contestações judiciais acerca de sua constitucionalidade. No último dia 10 de agosto, porém, a Suprema Corte de Justiça (SCJ) do país emitiu duas sentenças que, basicamente, confirmaram que a Lei de Meios está de acordo com a Constituição uruguaia.
A decisão foi tomada em julgamento de recursos impetrados pelo Canal 4, que opera na TV aberta, e pela empresa de TV a cabo Montecable, que é proprietária do Canal 4. Os reclamantes alegaram na ação que diversos artigos da lei eram inconstitucionais.
No total, 65 artigos da Lei de Meios foram contestados pelo Canal 4. Já a Montecable contestou 72 artigos. De todos, a SCJ considerou inconstitucionais apenas alguns incisos e parágrafos de 9 artigos da lei, mantendo intacta sua essência.
Entre os artigos contestados estava o 28, que proíbe a difusão de conteúdos que incitem ou façam apologia à discriminação de raça, etnia, sexo, gênero ou deficiência física. De acordo com os reclamantes, a redação do artigo é demasiadamente vaga e cria a possibilidade de se perseguir os meios de comunicação, o que estimularia a autocensura. A SCJ, porém, afirmou que os artigos eram bastante específicos em relação aos temas sobre os quais dispõem.
Também foram alvos de contestação os artigos 32 e 33, que visam regular a exibição de conteúdo de forma a proteger o direito de crianças e adolescentes – norma similar à Classificação Indicativa no Brasil. Segundo os reclamantes, o dispositivo poderia censurar os meios de comunicação e jornalistas, entendimento não partilhado pela SCJ, que afirmou que a regulação é uma versão atualizada de princípios que já existem na lei nacional que dispõe sobre os direitos na infância e adolescência. Além disso, a Corte uruguaia disse ainda reconhecer e valorizar o fato de que os direitos de crianças e adolescentes possam se sobrepor ao direito dos meios de comunicação exibirem os tipos de conteúdo que são listados na Lei de Meios.
Outro aspecto da Lei de Meios que foi contestada nas ações judiciais foi a criação do Conselho de Comunicação Audiovisual, cuja função é a de auxiliar na fiscalização da aplicação da lei. Segundo os reclamantes, o Conselho contribuiria para a criação de um sistema de controle “múltiplo e opressivo” da mídia, mas a SCJ não reconheceu esse entendimento como válido.
A Lei de Meios determina ainda o uso de até 15 minutos diários da programação de canais de televisão para a realização de campanhas de interesse público como campanhas na área da saúde, educação e infância e adolescência. Trata-se de uma obrigação que também foi questionada nas ações judiciais, sob a alegação de que a regra privaria a comercialização dos espaços e infringiria o direito de propriedade sem justa e prévia compensação. Para a Corte uruguaia, porém, o direito de propriedade se manteria inviolado uma vez que nenhum bem estaria sendo repassado a terceiros.
Para a ARTIGO 19, a regulamentação da radiofusão é importante medida, sobretudo na América Latina, cujos sistemas de radiodifusão são caracterizados pela presença de um forte setor comercial oligopolizado, um setor público frágil ou inexistente e um setor comunitário que sofre com inúmeras barreiras para funcionar, desde econômicas até burocráticas.
Nesse contexto, o objetivo de uma regulação efetiva e balanceada visaria o florescimento de setores de radiodifusão independentes, fomentando assim a pluralidade e a diversidade de ideias, e garantindo o direito à liberdade de expressão a setores mais amplos da sociedade que, em muitos casos, não se sentem representados pelos veículos de comunicação existentes.
Texto escrito com informações do Observatorio Latinoamericano de Regulación, Medios y Convergencia
Foto: Eduardo Amorim | CC BY-NC-SA 2.0