Ronair José de Lima, que tinha 41 anos, é mais uma vítima da violência que marca os conflitos no campo no Brasil. O trabalhador rural foi morto a tiros no último dia 4, no Complexo Divino Pai Eterno, que fica no município de São Félix do Xingu (PA).
Segundo a Comissão Pastoral da Terra, no passado, Ronair já havia recebido diversas ameaças de fazendeiros que se diziam proprietários das terras onde o trabalhador vivia, tendo inclusive sido vítima de uma tentativa de homicídio em fevereiro deste ano.
Para a ARTIGO 19, a maioria das graves violações à liberdade de expressão que são sofridas por defensores de direitos humanos no país decorre de conflitos por terra e território. Nestes casos, as violações costumam atingir lideranças rurais e possuem o objetivo de silenciar denúncias sobre irregularidades cometidas por grileiros e fazendeiros.
Em nota pública, diversas organizações da sociedade civil – entre as quais a ARTIGO 19 – denunciam o crime e cobram uma atuação conjunta entre os órgãos fundiários, a polícia e o poder judiciário para encontrar e responsabilizar os autores do assassinato de Ronair. Pedem ainda a efetivação do assentamento dos trabalhadores rurais que vivem no Complexo Divino Pai Eterno e o fim da violência na região.
Leia abaixo a íntegra da nota pública:
RELATOS DE UMA TRAGÉDIA ANUNCIADA
Assassinato da liderança do Acampamento Novo Oeste em São Felix do Xingu/PA
Na manhã desta quinta-feira, 04 de agosto de 2016, RONAIR JOSÉ DE LIMA (41 anos), presidente da Associação Terra Nossa foi morto em uma emboscada ocorrida no interior do Complexo Divino Pai Eterno, zona rural de São Félix do Xingu. Mesmo ferido ele conseguiu evadir-se do local recebendo posteriormente o apoio de outro trabalhador rural, também residente no Acampamento. Após atendimento breve prestado pelo posto de saúde da Vila Sudoeste, a vítima foi encaminhada por aeronave para melhor atendimento na sede do Município. Em razão dos ferimentos que atingiram a região do tórax, Ronair faleceu por volta das 15:00hs, deixando viúva a esposa e dois filhos.
Conforme denunciado frequentemente pela Comissão Pastoral da Terra, esse não é o primeiro atentado praticado contra Ronair. Desde que assumiu o cargo de Presidente da Associação, a liderança foi constantemente ameaçada pelos fazendeiros que se dizem proprietários do Complexo e seus pistoleiros. Além das inúmeras ameaças, Ronair já havia sido vítima de tentativa de homicídio praticada contra sua pessoa, no dia 27 de fevereiro do corrente ano.
Durante os mais de 10 [dez] anos de ocupação, sem que haja uma solução definitiva para o conflito ali instalado, o Complexo Divino Pai Eterno tem sido palco dos mais diversos crimes praticados contra trabalhadores/as rurais e suas lideranças, dentre os quais relacionamos o homicídio de Rogério de Jesus Ferreira (2010), Jocelino Braga da Silva (2010), Francisco Leite Feitosa (2011), Félix Leite dos Santos (julho de 2014), Osvaldo Rodrigues Costa (2015). No contexto deste conflito fundiário, os grileiros que se intitulam proprietários de terras – que na verdade são públicas federais – são considerados suspeitos de serem mandantes dos crimes de pistolagem ocorridos na área e continuam impunes reincidindo em ações cada vez mais violentas e escandalosas.
Esses são relatos de uma tragédia anunciada, onde mais uma vez os órgãos públicos com poderes para tanto, não agiram no intuito de evitá-la. O nome de RONAIR JOSÉ DE LIMA soma-se então, aos mais de 530 trabalhadores/as rurais assassinados entre os anos de 1985 a 2015, em decorrência dos conflitos agrários ocorridos no sul e sudeste paraense.
Nesse sentido, entendemos pertinente e necessário uma atuação conjunta entre os órgãos fundiários e de Polícia, Poder Judiciário, com vistas à punição dos responsáveis pela prática dos crimes supracitados, bem como para arrecadação da terra pública localizada no Complexo Divino Pai Eterno, das mãos dos pretensos proprietários, em respeito aos ditames da Constituição Federal e Princípios da Justiça Social, com o consequente assentamento dos trabalhadores/as rurais que a pleiteiam. Somente dessa forma será possível por um fim ao quadro de violência e mortes instaurado naquela localidade.
Assinam a nota:
Comissão Pastoral da Terra Regional Pará – CPT
Federação dos Trabalhadores/as Rurais na Agricultura– FETAGRI
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST
Acampamento Novo Oeste e Associação Terra Nossa, SFX/PA
Conselho Indigenista Missionário Regional Norte 2 – CIMI
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos- SDDH
Terra de Direitos
Laboratório de Justiça Global e Educação em Direitos Humanos na Amazônia – LAJUSA
Comissão de Direitos Humanos da OAB Pará
Comissão de Direitos Humanos da OAB Xinguara/PA
Instituto Paulo Fonteles
Liga dos Camponeses Pobres no Pará – LCP
Movimentos Sociais Educação e Cidadania na Amazônia – GMSECA
Centro de Estudos e Defesa do Negro no Pará – CEDENPA
Instituto Nagentu
Rede de Articulação Amazônica de Tradições de Matriz Africana – REATA
Justiça Global
Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais – AATR
Plataforma de Direitos Humanos – DHESCA Brasil
Sociedade Maranhense de Direitos Humanos – SMDH
Articulação Justiça e Direitos Humanos – JUSDH
Comitê Brasileiro de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos
Fórum de Mulheres da Amazônia – FMAP
Articulação de Mulheres Brasileiras – AMB
Grupo Tortura Nunca Mais da Bahia
Movimento das Mulheres do Campo e da Cidade
ARTIGO 19
Movimento Nacional de Direitos Humanos
Rede Nacional de Advogados/as Populares – RENAP
Centro de Defesa de Direitos Humanos da Serra
Centro de Defesa de Direitos Humanos Dom Tomás Balduíno de Atílio Vivacqua
Central de Movimentos Populares – CMP
Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos
Coletivo Ocupar a República
Fórum Paraense de Direitos Humanos
Instituto Amazônia Solidária – IAMAS
Fórum da Amazônia Oriental – FAOR
Fase Amazônia
Fundação Viver, Produzir e Preservar – FVPP
Movimento de Mulheres de Altamira
Comitê em Defesa da Vida – Altamira
Federação dos Trabalhadores/as Rurais na Agricultura– FETAGRI/Xingu
Padre Bruno Sechi
SODIREITOS
Instituto Internacional de Educação do Brasil – IEB
Movimento dos Atingidos pelas Barragens – Pará
ABONG – Pará
CEDECA – Emaús
União de todos os negros pela igualdade racial – UNEGRO
Movimento Social Negro “Círculo Palmarino”
Movimento Debate e Ação
Brigadas Populares do Pará
Centro de Estudo Pesquisa e Assessoria Social e Popular – CEPASP
Foto: Rodrigo Moraes | CC BY 2.0