Repressão policial marca protestos contra legado negativo da Olimpíada

Foto Kettling

 

A ARTIGO 19 condena veementemente as violações e ilegalidades cometidas contra manifestantes que se reuniram nesta sexta-feira (5) no Rio de Janeiro e São Paulo para protestar e denunciar o legado negativo provocado pela realização dos Jogos Olímpicos no país.

Cerca de uma semana antes do início dos Jogos, diversos movimentos sociais e organizações da sociedade civil publicaram uma carta pública exigindo a garantia do direito de manifestação durante a realização do megaevento. Contudo, as primeiras manifestações realizadas foram marcadas pelas ilegalidades e repressão generalizada praticadas pelas forças de segurança pública do país.

No Rio de Janeiro, a manifestação que aconteceu nas proximidades do Maracanã foi marcada pela presença ostensiva e massiva de policiais, sendo evidente a desproporcionalidade do efetivo policial comparado ao número total de manifestantes. De forma abusiva, policiais tentaram impedir que o trajeto original fosse seguido em diversos momentos e pelo menos duas detenções foram registradas.

No final do protesto, já na praça Afonso Pena, a polícia decidiu dispersar os manifestantes de forma violenta e sem justificativa alguma. Imagens da manifestação que circulam nas redes sociais mostram policiais agredindo manifestantes e fazendo uso de forma desnecessária, desproporcional e indiscriminada de armamentos menos letais, como sprays de pimenta e bombas de gás lacrimogêneo, que atingiram não somente manifestantes como também transeuntes e crianças que se encontravam na região.

Em São Paulo, o protesto que já havia sido marcado nas redes sociais há pelo menos uma semana foi duramente reprimido. Os manifestantes que partiram do vão do Masp, na Avenida Paulista, foram obrigados a deixar o percurso originalmente decidido e seguir pela rua Augusta. Assim que entraram na rua, foram surpreendidos pela realização da tática denominada Caldeirão de Hamburgo, com muitos manifestantes sendo agredidos, imobilizados e confinados durante horas e, posteriormente, levados em dois ônibus à 78ª Delegacia de Polícia de São Paulo. É importante mencionar que esta técnica é amplamente criticada pelos organismos internacionais e expressamente proibida pelo próprio Manual de Controle de Distúrbios Civis da Policia Militar de São Paulo.

Segundo advogados que acompanharam o protesto, 105 manifestantes, em sua maioria adolescentes, foram detidos e em seguida liberados. A ARTIGO 19 aponta que este número extremamente alto evidencia por si só a ilegalidade e fragilidade dessas prisões, uma vez que não havia qualquer evidência de cometimento de crime. É preciso ressaltar que encaminhar alguém à delegacia sem nenhum indício de ilegalidade apenas para averiguar  se o indivíduo era um suspeito ou estava fazendo algo ilícito não encontra respaldo no ordenamento jurídico brasileiro, constituindo assim uma prática abusiva e ilegal.

Aproximadamente 15 adolescentes que foram detidos e estavam sem seus documentos foram encaminhados para a Fundação Casa. O advogado Guilherme Perisse, do  coletivo Advogados Ativistas, acompanhou os adolescentes e criticou a ação da polícia. “Esta foi uma ação ilegal. A policia não tinha nada contra os adolescentes, de forma que não existe justificativa para esse tipo de conduta. Mais uma vez é uma forma que a polícia aproveita de utilizar a legislação protetiva para realizar uma violência moral contra os manifestantes”.

Entre as justificativas para reprimir o protesto, a polícia alega que não houve notificação formal aos órgãos públicos para a ocorrência da manifestação. Entretanto, é necessário esclarecer que os organismos internacionais vêm apontando que a exigência de um aviso prévio não pode ser excessivamente burocrática e que a ausência de notificação não deve servir como pretexto para se dispersar um protestos de rua. Além disso, a ARTIGO 19 defende que a internet constitui um meio legítimo de notificação, uma vez que atualmente as redes sociais exercem um papel preponderante na organização e mobilização de protestos e funcionam como uma convocatória pública.

A violência e repressão presentes nas manifestações do dia 5 evidenciam que a liberdade de expressão está longe de ser garantida no país. A ARTIGO 19 faz um apelo urgente para que os órgãos de segurança pública brasileiros apurem as ilegalidades cometidas e cumpram com o seu dever de garantir o direito de manifestação.

 

Foto: Gustavo Basso

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