As organizações que subscrevem esta nota vêm a público manifestar repúdio a dois Projetos de Lei (PL), em trâmite no Congresso Nacional, que buscam reinserir dispositivos que haviam sido suprimidos no decorrer do processo legislativo que aprovou a Lei Antiterrorismo. Tanto o Projeto de Lei do Senado (PLS) 272/2016, quanto o PL 5065/2016, em trâmite na Câmara dos Deputados, devem ser integralmente rejeitados pelo parlamento brasileiro a bem da democracia e do Estado de Direito.
Em março deste ano, após um processo legislativo bastante conturbado e desprovido de amplo debate público, a Presidência da República sancionou a Lei 13.260/2016, conhecida como Lei Antiterrorismo. De autoria do Executivo, a lei foi desde o início contestada por ser uma grave ameaça aos direitos e liberdades fundamentais em razão da vagueza e ambiguidade dos seus dispositivos que permitem uma aplicação judicial criminalizadora dos movimentos sociais e do direito à livre manifestação.
A sociedade civil e movimentos sociais apontam que a própria aprovação da Lei Antiterrorismo já simboliza um grande retrocesso político. Entretanto, é preciso ressaltar que, no decorrer das propostas apresentadas no Congresso, redações ainda mais problemáticas que o resultado final chegaram a ser amplamente discutidas, a exemplo da incompreensível categoria de “extremismo político” como motivação da prática de terrorismo proposta no Senado Federal. Após intensa mobilização, alguns destes dispositivos não prosperaram no próprio Congresso e outros foram vetados pela Presidência da República no momento da sanção da lei, de forma que, apesar da problemática relativa à própria aprovação da lei, certos avanços mínimos foram assegurados e não podem ser perdidos.
Ocorre que, agora, os dois PLs citados acima pretendem justamente reinserir dispositivos que foram suprimidos no texto final da Lei Antiterrorismo e que a tornam ainda mais abrangente. A medida proposta já havia sido sinalizada por parlamentares quando da deliberação e aprovação dos vetos presidenciais da Lei Antiterrorismo e agora se materializa no PL 5065/2016, proposto pelo Deputado Delegado Edson Moreira (PR-MG) e no PLS 272/2016, de autoria Senador Lasier Martins (PDT-RS). O primeiro pretende, além de outros pontos, reintroduzir nas razões para cometimento dos atos de terrorismo a “motivação ideológica, política, social e criminal”, termos que estiveram presentes no
projeto inicial, mas acabaram suprimidos, pois permitem o enquadramento dos movimentos sociais como ‘’organizações terroristas’.
Além disso, também propõe a retirada do parágrafo 2º do artigo 2º da lei aprovada, trecho que representa uma salvaguarda às manifestações políticas em geral ao dispor que a lei não se aplica a movimentos sociais e reivindicatórios. Novamente, ressalta-se que, ainda que insuficiente frente aos problemas da aprovação da lei, essa redação representava uma proteção contra o arbítrio do judiciário em sua aplicação e a proposta de suprimi-la demonstra um claro intuito criminalizador.
O segundo projeto, por sua vez, foi apresentado com o objetivo de alterar a Lei Antiterrorismo por meio da reinserção de dispositivos vetados pela Presidência da República como “terrorismo contra coisa”, “auxílio a organizações terroristas”, “cumprimento da pena em estabelecimento penal de segurança máxima” e “apologia ao terrorismo”. Dentre estes dispositivos, o artigo 3º-A exemplifica a problemática apontada. Este artigo reintroduz ainda que em outra linguagem (“recompensar ou louvar quem praticar os crimes previstos na Lei Antiterrorismo”) o delito da “apologia ao terrorismo” na lei, inclusive por meio da internet. Desta forma, discursos e opiniões, veiculados em diversos meios, como redes sociais, podem ser criminalizados e punidos de modo desproporcional, silenciando críticas legítimas. Soma-se a essa crítica o fato de que tal conduta já é tipificada no ordenamento jurídico brasileiro.
Reforçamos que o avanço destes projetos representaria grandes retrocessos na proteção de direitos fundamentais no país. A reintrodução dos dispositivos citados abre espaço para uma ampla discricionariedade na aplicação da Lei Antiterrorismo, ameaçando gravemente garantias constitucionais de movimentos sociais e dos cidadãos em geral. Nesse sentido, as entidades signatárias expressam sua grande preocupação e repúdio aos recentes projetos de lei que visam agravar a Lei Antiterrorismo.
ARTIGO 19
Instituto de Defensores de Direitos Humanos – DDH
Justiça Global
Instituto Sou da Paz
Rede Justiça Criminal
Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM