Em meio à crise política que monopoliza as atenções em Brasília, o Congresso brasileiro aprovou mais uma lei que restringe o direito de protesto.
Trata-se do Projeto de Lei (PL) de Conversão nº 4 relativo à Medida Provisória nº 699699/2015, proposta pelo Executivo, e que altera o Código de Trânsito Brasileiro. O texto do PL aprovado estipula punições rigorosas a quem obstruir vias públicas, seja veículos ou pedestres, sem a autorização prévia do poder público – prerrogativa esta que é inconstitucional e ainda inibe a realização de protestos de rua.
A medida acontece em um contexto de retrocessos no campo dos direitos civis, simbolizado pela sanção da Lei Antiterrorismo ocorrida em março.
Por esse motivo, diversas organizações da sociedade civil, entre as quais a ARTIGO 19, assinaram carta destinada à presidente Dilma Rousseff pedindo o veto presidencial ao PL.
Leia abaixo a carta:
Excelentíssima Presidenta Dilma Rousseff,
No dia 7 de abril de 2016 foi aprovado no Senado Federal o Projeto de Lei de Conversão nº4, relativo à Medida Provisória n. 699/2015, que, em novembro de 2015, alterou pelo prazo de 60 dias o Código de Trânsito Brasileiro – Lei 9.503/1997 – ao aumentar a punição para quem utilizar veículos para interromper, restringir ou perturbar a circulação nas vias, sem autorização do órgão ou entidade de trânsito. As alterações aprovadas pelo Senado na forma de um texto definitivo incluem punições rigorosas (multa relativa a infração gravíssima aumentada de 20 vezes) também a pedestres que, por qualquer motivo, obstruírem vias públicas sem autorização do poder público.
Trata-se de mudança que afronta diretamente as liberdades de expressão e protesto na medida em que, além de causar efeito intimidatório pelo aumento da sanção prevista, pretende condicionar a liberdade de manifestação à autorização de um órgão público, determinação contrária aos padrões internacionais e à Constituição da República.
Sabe-se que o direito de protesto, o direito à liberdade de expressão e o direito de reunião são direitos humanos consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e na Convenção Americana de Direitos Humanos, todos ratificados pelo Brasil e entendidos como normas superiores à legislação comum. São ainda direitos fundamentais garantidos expressamente pela Constituição Federal, que dispõe em seu artigo 5º, XVI que a manifestação pacífica independe de qualquer tipo de autorização.
Ressalta-se, ainda, que os padrões internacionais de direitos humanos dispõem no mesmo sentido sobre a impossibilidade de exigência de autorização para se manifestar dentro de um sistema democrático, assim como sustentam ser insuficiente a justificativa de manutenção do tráfego urbano para suprimir por completo a liberdade de expressão, uma vez que qualquer restrição a direito fundamental exige intensa ponderação de princípios, não observada neste caso.
É importante lembrar que o direito de realizar reuniões e manifestações em vias públicas tem sido consistentemente defendido por órgãos internacionais e regionais de direitos humanos, que estabelecem que, em uma sociedade democrática, o espaço urbano não é apenas uma área para circulação, mas também para participação.
Conclui-se, portanto, que o texto aprovado pelo Senado Federal não é condizente com princípios democráticos e constitucionais. Em respeito à luta travada historicamente neste país em defesa do direito de manifestação, as entidades aqui subscritas solicitam que utilize a sua prerrogativa para vetar os artigos 253-A e 254, VII e seus respectivos parágrafos do Projeto de Lei de Conversão número 4 de 2016 (oriundo da Medida Provisória 699/2015) em razão de sua inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público.
Assinam essa carta:
ARTIGO 19
Conectas Direitos Humanos
Instituto de Defensores de Direitos Humanos (DDH)
Instituto de Defesa do Direito de Defesa
Instituto Sou da Paz
Instituto Terra, Trabalho e Cidadania
Justiça Global
Rede de Justiça Criminal
Foto: Editorial J | CC BY-ND 2.0