Não à tipificação de terrorismo
As entidades, organizações e movimentos signatários desta carta vêm a público reivindicar ao Senado Federal a rejeição do projeto de lei (PLC 101/2015) que objetiva criar o crime de terrorismo, assim como do texto substitutivo introduzido pelo relatório do Senador Aloysio Nunes, a fim de evitar enorme retrocesso político-criminal e grave ameaça às liberdades democráticas.
O projeto pretende definir o crime de terrorismo, ao prever como especial fim de agir o “terror social ou generalizado” e elencar um enorme rol de condutas alternativas, às quais, embora variem em gravidade, é indistintamente atribuída a pena de 12 a 30 anos de reclusão. As condutas tipificadas, no entanto, são todas já previstas e, por isso, puníveis, na legislação penal em vigor no Brasil.
Nos termos em que vai à votação em plenário, é possível que um indivíduo, acusado da depredação de um bem privado, seja condenado pelo crime de terrorismo à pena de 30 anos de reclusão, se identificada, pelas autoridades a finalidade de provocar “o terror social” – um estado que decorre da sensação de perigo, real ou ilusória. O projeto é, portanto, desnecessário, redundante e desproporcional.
Além disso, apesar de excluir da incidência da norma movimento sociais e pessoas movidas pela defesa de direitos, garantias e liberdades constitucionais, o PLC 101/2015 não prevê mecanismos que possibilitem a proteção dos direitos de associação e expressão e de seus titulares. Isso, porque uma leitura formalista do dispositivo limita a legitimidade da conduta à defesa de direitos constitucionais, restringindo aquilo que pode ser reivindicado e negando o caráter essencialmente inovador e progressista das manifestações e protestos.
O substitutivo do Senador Aloysio Nunes, por outro lado, piora o texto em diversos pontos. O texto inclui o extremismo político entre os elementos que motivam o terrorismo, aumenta as penas impostas aos crimes e retira a única previsão minimamente capaz de proteger o exercício democrático da expressão e da associação – a excludente a movimento sociais e pessoas movidas pela defesa de direitos, garantias e liberdades constitucionais.
Acreditamos que delegar às autoridades do sistema de justiça criminal a interpretação e determinação do que constitui extremismo político é instituir censura sobre ideais e posicionamentos dissidentes, é violar a Constituição Federal, que tem como um de seus fundamentos o pluralismo político, a liberdade de expressão e manifestação e protege o direito à convicção política como direito fundamental e inviolável pressuposto da república .
A aprovação do PLC 101/2015, na forma de qualquer dos textos em disputa, pela ambiguidade e vagueza em sua formulação e pela severidade das penas cominadas, tem o potencial de agravar de modo dramático o quadro de restrição a direitos fundamentais e de censura à expressão ideológica e política em que o Brasil já vem incorrendo. Num país internacionalmente comprometido a não molestar ninguém por suas opiniões (Artigo 19, 1, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos) e a garantir a todos o direito e a possibilidade de participar da condução dos assuntos públicos (Artigo 25 do PIDCP), vê-se a intensificação do processo de criminalização de movimentos sociais, com o uso arbitrário dos tipos penais já existentes contra manifestantes e ativistas: associação criminosa, milícia privada, incêndio, explosão, dano qualificado, desacato, resistência e desobediência são apenas alguns exemplos de instrumentos do arsenal punitivo empregado na repressão de demandas populares.
É, assim, fundamental que o Senado Federal esteja atento aos efeitos perversos e rejeite sem demora o PLC 101/2015, assim como o Substitutivo do Senador Aloysio Nunes, revertendo a trajetória brasileira de violação de direitos e se abstendo de reprimir atividades humanas contempladas na abrangência protetiva de liberdades fundamentais e estruturantes do Estado Democrático de Direito.
Assinam esta carta:
Actantes
Advogados Ativistas
Artigo 19
Associação Juízes para a Democracia – AJD
Associação Mundial de Rádios Comunitárias – Amarc
Associação Nacional dos Defensores Públicos – ANADEP
Associação pela Reforma Prisional – ARP
CDDH Serra
Centro Pela Justiça e o Direito Internacional – CEJIL
CIMI
Coletivo Margarida Alves
Conectas Direitos Humanos
Direitos Urbanos | Recife
Esquerda Marxista
Fábrica ocupada Flasko
Fórum de Justiça
Grupo tortura Nunca Mais – BA
IBASE
Instituto Bem Estar Brasil
Instituto Beta para Internet e Democracia – IBIDEM
Instituto de Defensores de Direitos Humanos – DDH
Instituto de Defesa do Direito de Defesa – IDDD
Instituto Pólis
Instituto Sou da Paz
Instituto Terra, Trabalho e Cidadania – ITTC
Internet sem Fronteira
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.
Justiça Global
Justiça nos Trilhos
Levante Popular da Juventude
Movimento Mega
Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB
Movimento Ocupe Estelita
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST
Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo
Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública do Estado de São Paulo
PROTESTE – Associação de Consumidores
Rede Justiça Criminal
Renap
Sociedade Maranhense de Direitos Humanos
Terra de Direitos
Viva Rio