A luta pela desconstrução da sociedade patriarcal, que violenta e oprime mulheres cotidianamente, é uma luta que deve ser abraçada por diversos setores da sociedade – inclusive o próprio Estado. Cabe a este tomar a iniciativa na elaboração e promoção de políticas públicas voltadas ao bem-estar e proteção da mulher com o objetivo infatigável de perseguir a igualdade de gênero. Mas não apenas.
Toda e qualquer política pública deve se amparar na ideia da transparência para possibilitar o controle social. Sem o apoio da sociedade civil, a probabilidade de sucesso de ações de governo que visam aplacar problemas sociais estruturais diminui drasticamente.
Diferentes atores sociais devem participar não apenas da concepção de projetos, mas também de tomadas de decisões. Dados sobre o andamento de determinadas políticas públicas devem não ser só produzidos, como também compartilhados.
A promoção de políticas públicas para o bem-estar e proteção da mulher tem sido um dos objetos de acompanhamento da ARTIGO 19. O tema também figura nos novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, aprovados oficialmente no último dia 25 na ONU.
Em função disso, e para marcar o Dia Nacional de Luta Contra a Violência à Mulher, celebrado neste dia 10, a ARTIGO 19 submeteu ao governo brasileiro dois pedidos de informação formais, amparados na Lei de Acesso à Informação, a respeito de duas questões essenciais relativas à saúde e proteção de mulheres: a mortalidade materna e a violência obstétrica.
No primeiro caso, a ARTIGO 19 solicitou saber junto ao Ministério da Saúde quais municípios do país já haviam atingido a meta da ONU para a taxa de mortalidade materna (35 mortes por 100 mil nascimentos).
A resposta da pasta foi parcialmente satisfatória. De acordo com o texto enviado, “as imprecisões no registro geram subnotificação e subinformação de óbitos maternos, o que demanda a adoção de um fator de correção”. O ministério lembra ainda que existe um indicador criado para mensurar a questão – chamado de RMM (Razão de Mortalidade Materna) –, mas que só é calculado por algumas unidades federativas e não por municípios.
Apresentam dados sobre a mortalidade materna todos os estados das regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul, com exceção de Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás. Estes e os demais estados do país não entram na lista por não atingirem uma cobertura do SIM (Sistema de Informação sobre Mortalidade) igual ou superior a 80% e do SINASC (Sistema de Informações de Nascidos Vivos). Isso significa que um número muito reduzido de Estados possui dados extensivos sobre a mortalidade materna (confira os dados disponíveis).
Já sobre os dados da violência obstétrica, a situação é mais preocupante. Fundamentada no conceito de violência obstétrica empregado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, a ARTIGO 19 requisitou saber o número de queixas de violência obstétrica registrados em cada estado do país nos anos de 2013 e 2014. Como resposta, o Ministério da Saúde informou que nos sistemas de notificação disponíveis não há um “campo para registro específico da violência obstétrica”.
Verifica-se assim um grave problema. Ainda que não se trate de um tipo de violência tão discutido como agressão física e estupro, a violência obstétrica é real, frequente, o que seria motivo o suficiente para o empreendimento de esforços governamentais para combatê-la. Conhecer a fundo o problema, o que só é possível com um sistema de informações consistente, é condição primordial para isso.
A produção de dados sobre a violência obstétrica e o aprimoramento do sistema de notificação já existente sobre a mortalidade materna são metas que devem constar no horizonte dos/das responsáveis dos governo brasileiro pelas políticas públicas direcionadas às mulheres. Sem isso, não há o cumprimento de objetivos mínimos que endereçam questões relacionadas à gênero.