Com o intuito de analisar a postura repressiva do Estado brasileiro contra as manifestações de rua ocorridas no país nos últimos anos, a ARTIGO 19 lança nesta quinta-feira (10) o relatório “As ruas sob ataque: protestos 2014 e 2015”.
Para o trabalho foram analisados 740 protestos ocorridos em São Paulo e no Rio de Janeiro entre janeiro de 2014 e julho de 2015. Um site foi criado para disponibilizar as informações do relatório de forma interativa, no endereço http://2015brasil.protestos.org.
A conclusão do estudo é a de que o Estado brasileiro continua cometendo violações com o intuito de sufocar manifestações. As ações têm se dado em diversas frentes: violência policial, criminalização pelos tribunais, projetos de lei restritivos e a falta de responsabilização de agentes que cometeram violações.
“Temos o direito fundamental de nos expressar de diferentes formas, inclusive por meio de manifestações de rua. O Estado, por sua vez, tem o dever de garantir esse direito e seu exercício pacífico. Negar esse direito, ou reagir com violência contra aqueles que protestam, contraria a própria noção de democracia e de um Estado de direito. Nossa sociedade já não pode hoje aceitar esse tipo de comportamento. Não vivemos numa ditadura”, afirma Camila Marques, advogada e uma das responsáveis pelo relatório.
Na lista de violações cometidas por policiais estão a falta de identificação, a realização de detenções arbitrárias, o emprego desproporcional de efetivo policial e de armamento menos letal (como balas de borracha e gás lacrimogênio) e até o uso de armas letais (registrado em quatro manifestações).
Foi verificado ainda o surgimento de novas técnicas de controle de manifestações. Duas delas são as ações batizadas de “Caldeirão de Hamburgo” (ou kettling) e de “envelopamento”, que envolvem o cercamento de manifestantes. Além disso, o Estado criou tropas especiais somente para agir em protestos.
Segundo o relatório, o amplo cenário de violações verificadas em protestos desde 2013 se agrava pela falta de responsabilização daqueles que cometeram abusos. Praticamente nenhuma punição a agentes públicos que cometeram atos de violência em manifestações foi registrada, o que acaba reforçando o ciclo de violações.
O investimento do Estado no aprimoramento do aparelho repressivo aumentou no período analisado. No caso de São Paulo, o governo do Estado abriu licitação para a compra de veículos blindados a serem usados em manifestações, tendo como principal argumento a realização dos megaeventos esportivos (Copa do Mundo e Olimpíadas).
O relatório identificou ainda que a prática de vigilância de manifestantes cresceu, com a ocorrência de monitoramento de “suspeitos” na internet e até mesmo a quebra de sigilo de comunicações privadas.
PLs, Judiciário e violência contra comunicadores
No viés institucional, a elaboração de projetos de leis (PL) que buscam criminalizar condutas relacionadas a manifestações seguem recorrentes. Entre estes destacam-se PLs que visavam tipificar o crime de “desordem” e a proibição do uso de máscaras em manifestações.
O Judiciário também figurou como um agente limitador de manifestações. Acionado para julgar manifestantes detidos (muitas vezes de forma arbitrária e sob acusações frágeis) ou para posicionar-se sobre a validade de normas ou pedidos de responsabilização do Estado por abusos cometidos, na maior parte do tempo os tribunais acabaram chancelando a postura repressiva dos poderes Executivo e Legislativo em relação ao direito de protesto.
O caso de Rafael Braga, detido em 2013 por estar de posse de um frasco de desinfetante e um de água sanitária próximo a um protesto realizado no Rio de Janeiro, também suscitou o debate em torno da seletividade penal. Braga estava em situação de rua à época e permanece preso até o momento.
O relatório joga luz ainda sobre a violência direcionada especificamente contra comunicadores. Foram diversos casos registrados de profissionais de imprensa feridos em função do uso da força policial. O trabalho cita as manifestações do dia 22 de fevereiro de 2014, quando sete comunicadores foram detidos e mais de dez sofreram agressões por parte da polícia. Lembra ainda o caso do cinegrafista Santiago Andrade, morto após ser atingido por um rojão na cabeça atirado por um manifestante durante um protesto também ocorrido no Rio de Janeiro.