Criptografia e anonimato são essenciais para liberdade de expressão

ONU

No último dia 28, o relator especial da ONU para Liberdade de Expressão, David Kaye, publicou seu primeiro relatório anual em que analisa a relação entre o direito de expressão e de opinião e direito à privacidade com o uso de criptografia e do anonimato na era digital. O documento avalia ainda os cenários em que governos podem impor restrições a essas práticas.

Para a ARTIGO 19, o relatório é um importante passo no sentido de garantir a proteção dos direitos à liberdade de expressão e à privacidade online. Neste sentido, a entidade demanda aos governos para que revejam suas leis, políticas e práticas a fim de cumprir as recomendações do relator especial o mais rapidamente possível.

“O relatório da ONU deixa absolutamente claro que as tentativas dos governos de obter acesso ilícito às comunicações das pessoas ou de enfraquecer intencionalmente padrões de criptografia violam o direito internacional. É vital que os Estados revejam suas leis, políticas e práticas em matéria de anonimato e criptografia, para garantir que eles protejam os direitos das pessoas à liberdade de expressão e privacidade online “, afirma Thomas Hughes, diretor-executivo-global da ARTIGO 19.

Qualquer um que queira expressar opiniões on-line deve poder fazê-lo anonimamente para se prevenir de assédio ou represálias. O anonimato é uma condição essencial para que jornalistas protejam suas fontes e também para que delatores de ilegalidades não sejam perseguidos.

Assim, a ARTIGO 19 saúda as recomendações do relatório, que também refletem os próprios pontos de vista da entidade sobre estas questões. Entre eles, está o reconhecimento de que:

Criptografia e anonimato são condições vitais da liberdade de opinião e de expressão. No relatório, David Kaye deixa claro que uma Internet aberta e segura deve ser levada em conta entre os principais pré-requisitos para o gozo da liberdade de expressão, e, portanto, deve ser protegida pelos governos, uma vez que fornecem a privacidade e a segurança necessárias para o exercício do direito à liberdade de expressão e de opinião na era digital.

Discurso anônimo é necessário para defensores dos direitos humanos, jornalistas e manifestantes. O relator especial destaca que as tentativas de proibir ou interceptar comunicações anônimas em tempos de protesto configura uma restrição injustificada do direito à liberdade de reunião pacífica previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Ele também recomenda que a legislação que protege defensores dos direitos humanos e jornalistas deve incluir disposições que permitam o acesso a promoção do uso de tecnologias que protejam suas comunicações, como a criptografia.

Restrições à criptografia e ao anonimato devem passar pelo “teste de três partes”. David Kaye enfatiza que projetos de leis e políticas que preveem restrições à criptografia ou anonimato devem ser objeto de comentário do público e só podem ser adotados na sequência de um processo legislativo regular – e não por meio de uma medida administrativa abrupta. Kaye ressalta ainda a necessidade do respeito às garantias processuais e judiciais durante um processo judicial de qualquer indivíduo cujo uso de criptografia ou anonimato esteja sujeito a restrição.

Proibições do uso individual de tecnologia de criptografia constituem uma restrição desproporcional ao direito à liberdade de expressão. O relator especial também observa que as regras que exigem licenças para a utilização de criptografia, as que estabelecem normas técnicas fracas para criptografia, e as que determinam controle da importação e exportação de ferramentas de criptografia equivalem a uma proibição geral e, portanto, constituem uma restrição desproporcional à liberdade de expressão.

O acesso via backdoor às comunicações de pessoas, os sistemas que permitem acesso de terceiros às chaves de criptografias, e o enfraquecimento intencional de padrões de criptografia são restrições desproporcionais sobre os direitos à liberdade de expressão e privacidade. Kaye destaca que governos que propõem o acesso via backdoor a computadores não têm comprovado que o uso criminoso de criptografia é um obstáculo intransponível para a aplicação da lei. Segundo a legislação internacional, só é aceitável o uso de acesso via backdoor quando os Estados conseguem demonstrar, de forma pública e transparente, que outros meios menos invasivos (como escutas telefônicas, vigilância física e muitos outros) não estão disponíveis ou não são efetivos para se alcançar um objetivo legítimo determinado.Sistemas em que as chaves de criptografia ficam hospedadas em servidores de terceiros também são uma ameaça para o exercício seguro do direito à liberdade de expressão por conta das vulnerabilidades inerentes a esta condição.

Proibições do anonimato on-line e obrigatoriedade do uso de nome real ou do registro de um chip de celular vão além do permitido pela lei internacional. O relator especial da ONU ressalta que, devido ao fato de o anonimato facilitar a opinião e a expressão em ambientes on-line, os Estados deveriam protegê-lo e não restringir as tecnologias que o proporcionam.

A imposição de responsabilidade do intermediário aos comentários anônimos minam o direito à liberdade de expressão on-line. David Kaye observa que os Princípios de Manila sobre responsabilidade de intermediários – uma iniciativa liderada pelo ARTIGO 19, FEP, CIS Índia, Derechos Digitales e Open Korea Net, entre outras organizações – fornecem um conjunto de diretrizes que podem ser usadas pelos Estados e por mecanismos internacionais e regionais para a proteção da liberdade de expressão on-line.

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Outro reconhecimento importante contido no relatório é sobre o papel dos atores corporativos na proteção e promoção de padrões de criptografia fortes, de forma que as empresas estão convidadas a considerar as suas próprias políticas que restringem criptografia e anonimato.

O relatório será formalmente apresentado ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas durante a sua 29ª sessão em Genebra em 17 de Junho de 2015, quando os Estados terão a oportunidade de discutir as conclusões e recomendações com o relator especial.

A ARTIGO 19 encoraja os Estados a empenhar-se pró-ativamente neste debate, identificando quais de suas  leis, políticas e práticas deveriam ser revisadas a fim de proteger plenamente a liberdade de expressão e privacidade online.

O relatório também fornece uma base sólida para futuras ações do Conselho de Direitos Humanos, bem como para um estudo mais aprofundado e novas recomendações nesta área. O documento também deve auxiliar os trabalhos do novo titular do mandato de relator especial da ONU para o Direito à Privacidade, que será nomeado na 29ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos.

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