ARTIGO 19 e Intervozes denunciam caso Góes na OEA

O jornalista sergipano Cristian Góes
O jornalista sergipano Cristian Góes

 

Uma das mais flagrantes violações à liberdade de expressão do Brasil virou caso de tribunal internacional.

No último dia 9 de abril, a ARTIGO 19 e o coletivo Intervozes denunciaram junto à CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos), ligada à OEA (Organização dos Estados Americanos), o caso do jornalista sergipano Cristian Góes.

Após escrever uma crônica intitulada “Eu, o Coronel em mim”, publicada em seu blog em maio de 2012, Góes virou réu de uma ação movida pelo desembargador Edson Ulisses, que alegou ter sido vítima de injúria no texto. Este, no entanto, era meramente ficcional: não citava nomes, cargos, lugares nem datas. Mesmo assim, o jornalista foi condenado na esfera civil (indenização de 30 mil reais) e criminal (sete meses e 16 dias de detenção, convertidos em serviços comunitários).

A surreal história é contada em um minidocumentário também intitulado “Eu, o Coronel em mim”, lançado em 2014 e produzido pela ARTIGO 19.

Na denúncia apresentada à CIDH, a ARTIGO 19 e o Intervozes alegam que a sentença criminal imposta a Góes viola o artigo 13 da Convenção Americana, que trata do direito à liberdade de expressão e pensamento. A sentença iria contra os parâmetros legais interamericanos , que afirmam três pontos chaves: 1) a impossibilidade de se haver condenação judicial em casos de emissão de opinião; 2) a necessidade de que funcionários públicos tenham uma tolerância maior a críticas justamente pelo papel que desempenham; e 3) a impossibilidade de se haver responsabilização criminal em processos envolvendo crimes contra a honra (calúnia, injúria e difamação). De acordo com tais parâmetros, a alternativa mais adequada deve ser a responsabilização via ações civis.

As organizações pedem a condenação do Estado brasileiro por violar a Convenção Americana, da qual é signatário, além de que a condenação criminal contra Góes seja revogada e que o jornalista seja indenizado pelos danos sofridos. Por fim, reivindicam que todos os crimes contra a honra mais o crime de desacato sejam retirados do Código Penal e que sejam discutidos na esfera civil.

“Esperamos que uma decisão favorável na CIDH seja vista como um marco e assim obrigue de uma vez por todas o Estado brasileiro a adequar os parâmetros internacionais que determinam que indivíduos não podem ser criminalizados simplesmente por manifestarem opinião”, afirma Camila Marques, advogada da ARTIGO 19. “Trata-se de um caso central para que avancemos na garantia do direito à liberdade de expressão”, completa.

Bia Barbosa, integrante da coordenação-executiva do Intervozes, faz análise semelhante. “A vitória desta denúncia no âmbito da OEA é fundamental para fortalecer, aqui no Brasil, a compreensão dos legítimos limites que podem ser colocados ao exercício da liberdade de expressão, de acordo com os padrões internacionais de regulação. Infelizmente, há uma enorme confusão neste sentido em nosso país”, opina. Ela ainda acrescenta:  “No caso de Cristian Góes, sua condenação pela Justiça brasileira é um exemplo claro de violação da liberdade de expressão, influenciado pelo poder político das pessoas envolvidas no caso. Por isso é fundamental que tal decisão seja revista”.

O caso Góes também está no Supremo Tribunal Federal, que decidirá nos próximos dias se revoga ou não a condenação na esfera civil. A expectativa é que o Ministro Luiz Fux, relator do processo, anule a decisão que impôs o pagamento da indenização contra o jornalista.

Histórico do caso

A crônica “Eu, o coronel em mim”, publicada por Cristian Góes em um blog em maio de 2012, é uma espécie de confissão de um homem da época do coronelismo brasileiro e que ainda hoje tem poder. O texto não cita nomes de pessoas, cargos, lugares nem datas.

No entanto, a existência de um “coronel” e de um “jagunço das leis” na crônica foi o suficiente para que o desembargador Edson Ulisses, então vice-presidente do Tribunal de Justiça de Sergipe (TJ-SE), processasse Góes por injúria, acusando-o de haver ofendido o próprio magistrado e também o governador sergipano Marcelo Deda (PT), morto em 2013, mas que governava o estado à época.

Após julgamento, o jornalista foi condenado na esfera criminal a sete meses e 16 dias de prisão (pena convertida em serviços comunitários) e também na esfera civil, que resultou no pagamento de uma indenização no valor de 30 mil reais ao desembargador. Na sentença criminal, o TJ-SE argumentou que não é necessário dizer nomes nem usar qualquer identificação, basta “meia palavra”.

O caso de Góes também foi parar no Conselho Nacional de Justiça, órgão no qual a defesa do jornalista questiona o respeito ao princípio da impessoalidade durante o julgamento do jornalista. Isso porque, após o afastamento da juíza Brígida Declerk, que deveria julgar o caso, o juiz a substitui-la deveria ser Cláudio Bahia. No entanto, sem nenhum motivo alegado, o presidente TJ-SE escalou o Luiz Eduardo Araújo Portela para continuar os trabalhos.

Em três dias, Portela condenou Góes à prisão, sendo que entre todos os processos prontos para serem apreciados pelo magistrado, o único que recebeu sentença foi precisamente o de interesse do desembargador Edson Ulisses, à época vice-presidente do TJ-SE.

 

Icone de voltar ao topo