Assista ao minidocumentário “Eu, o coronel em mim”, produzido pela ARTIGO 19
Na última sexta-feira (28) o juiz Aldo de Albuquerque Mello, da 7ª Vara Cível de Aracaju, condenou o jornalista Cristian Góes a pagar R$ 30 mil ao desembargador Edson Ulisses, vice-presidente do Tribunal de Justiça de Sergipe, a título de indenização por danos morais. “O valor fixado é ínfimo em relação à gravidade da conduta”, escreveu o juiz. A condenação ocorreu em razão de uma crônica literária ficcional, escrita em primeira pessoa e intitulada “Eu, o coronel em mim”, publicada em um blog em maio de 2012. Mesmo sem citar no texto nomes de pessoas, cargos, lugares, datas, o juiz entendeu que o jornalista, quando escreveu “jagunço das leis”, não apenas se referiu diretamente a Edson Ulisses, mas ao cargo de desembargador e a “todo Poder Judiciário”.
Esta é a segunda condenação do jornalista por conta do texto de ficção. Atendendo ao pedido do desembargador e do Ministério Público Estadual, Cristian foi condenado a sete meses e 16 dias de prisão. A pena, convertida em prestação de serviços à comunidade, ainda é alvo de recurso. “São duas sentenças absurdas sob todos os aspectos. O texto é literário e nele não há nem nome de pessoas e nem fato real. Os julgamentos não tiveram a mínima isenção. Não houve o pleno direito de defesa. Os procedimentos foram parciais, políticos, irregulares e ilegais. Vamos recorrer”, disse Cristian Góes.
O texto “Eu, o coronel em mim” é uma espécie de confissão de um homem da época do coronelismo brasileiro e que ainda hoje tem poder, que manda e desmanda.
Esse “coronel” tem um “jagunço das leis”. O desembargador e o Ministério Público entenderam que o jornalista quando escreveu coronel estava “pensando” no governador de Sergipe, Marcelo Déda (já falecido); e quando escreveu jagunço das leis estava “pensando” no desembargador Edson Ulisses, que é cunhado do governador e foi escolhido por ele para esse cargo. Na sentença criminal, o Tribunal de Justiça confirmou a condenação do jornalista à prisão por ter escrito essa crônica, usando o argumento que não precisa dizer nomes e nem usar qualquer identificação, basta “meia palavra”.
Já a ação de indenização estava parada no Tribunal de Justiça porque o juiz Aldo Mello era da direção da Associação dos Magistrados de Sergipe (Amase) quando essa entidade contratou os advogados do desembargador para essas ações. “Direta ou indiretamente o juiz contratou os advogados de uma causa que ele mesmo julgou e mais, uma causa de seu superior administrativo. Pedimos à suspeição, mas os desembargadores, pares de Edson Ulisses, entenderam que isso não era problema”, informa Góes, que, nessa ação cível, sequer foi ouvido. Ele disse que não tem como pagar essa indenização e achou muito estranho o juiz colocar na sentença que a capacidade financeira do réu pode ser aferida nos autos. “Como assim? O Tribunal de Justiça, o Ministério Público e o desembargador invadiram minha vida privada, minhas contas a pagar e eu não fico sabendo?”, questiona.
O jornalista vem sempre reafirmando que essas ações, criminal e cível, em razão de uma crônica literária, ficcional, são uma clara demonstração do atraso, autoritarismo, das relações de compadrio, da sensação de poder absoluto que alguns têm e que pensam que são Deus. “É um claro e direto ataque à liberdade de expressão”, disse Cristian, que chama atenção para o teor da sentença do juiz que pode soar como ameaça ao direito à expressão de outras pessoas. Na decisão, o magistrado diz que a condenação não é uma “imposição de vingança”, mas um ato para “educar o agressor”, um exemplo e um desestímulo para que não se cometa o mesmo crime depois. “Diante de tal sanção desestimuladora, tem-se, por consequência, o caráter preventivo, mormente em virtude de que o ofensor, responsabilizado e obrigado a pagar o valor também do caráter desestimulador, procurará, logicamente, evitar futuros pagamentos dessa natureza, da mesma forma que terceiros terão como exemplo tal fato”, escreve o juiz.
A ARTIGO 19 tem acompanhado o caso do Cristian Góes desde seu início. Em outubro de 2013, a entidade acompanhou o jornalista durante depoimento que concedeu em audiência realizada em Washington (EUA) da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organizações dos Estados Americanos (OEA) a respeito do processo judicial que vinha sofrendo. A oportunidade serviu para ilustrar os problemas que os crimes contra honra causam ao direito de liberdade de expressão.