Se realmente levar a cabo a promessa de regulamentar a mídia brasileira, conforme anunciou durante as primeiras entrevistas após a apertada vitória eleitoral do último domingo (26), a presidenta Dilma Rousseff estará atendendo a uma das mais urgentes e necessárias reivindicações da sociedade brasileira.
Estamos falando de uma demanda que se encontra represada ao menos há 26 anos, quando da promulgação da Constituição Federal Brasileira de 1988. Isso porque a própria Constituição determinou que a radiodifusão é um serviço público e portanto administrado pelo Estado com vistas a contemplar o interesse público e que deve ser regulamentado de acordo com os princípios constitucionais estabelecidos.
Todos sabemos que a televisão e o rádio têm enorme importância para circulação de informações e, consequentemente, para a influência na esfera do debate público. No entanto, o espectro eletromagnético por onde são transmitidas as frequências de canais televisivos e radiofônicos são limitados, de forma que pressupõe o estabelecimento de critérios claros por parte do Estado capazes de garantir acesso igualitário a todos os meios de comunicação, ao mesmo tempo que criem proteções contra ingerências de cunho político ou econômico.
Apesar disso, e de forma contraditória, o Congresso Nacional tem insistido em se omitir em regulamentar três artigos constitucionais que tratam do assunto. São eles:
- O artigo 5º, que garante o direito de resposta
- O artigo 220, que impede a existência de monopólio ou oligopólio na comunicação social eletrônica
- O artigo 221, que estabelece que a produção regional e independente deve ser estimulada, e que também determina a criação de meios de defesa contra programas que se mostrem contrários aos princípios constitucionais
A resistência do Congresso em regulamentar esses artigos está sendo discutida em uma ação judicial no STF (Supremo Tribunal Federal). Diversas organizações da sociedade civil já manifestaram apoio para que os ministros do STF reconheçam a omissão dos parlamentares e determinem a urgência na regulamentação. Esta movimentação não é sem motivo.
É fundamental para uma sociedade que almeja o status de democrática que seus meios de comunicação estejam livres de monopólios e oligopólios e que existam políticas afirmativas no sentido de garantir a diversidade de vozes e representatividade de diversos grupos da sociedade na mídia. Mas, no caso do Brasil de hoje, a situação é exatamente a contrária: poucas famílias controlam os veículos mais poderosos do país. De acordo com o coletivo Intervozes, “uma única emissora possui cerca de 40% da audiência da TV aberta e concentra mais de 70% do mercado publicitário – além de controlar canais de TV por assinatura, jornais, revistas, editoras, gravadoras e produtoras –, desenhando um cenário de evidente monopólio.”
Será justamente esse cenário de alta concentração dos meios de comunicação, com forte presença do fenômeno chamado propriedade cruzada e propriedade de rádio e TV por políticos, uma das principais adversidades para que a regulamentação da mídia ocorra, já que os próprios grandes meios de comunicação e os políticos são grandes interessados na manutenção do atual cenário. Para depreciar os que reivindicam a medida, alguns veículos insistem em levantar a falsa polêmica da “censura” à liberdade de expressão, quando, na verdade, se trata de criar parâmetros para a regulamentação da mídia de forma a proteger a liberdade de expressão.
Dessa forma, com o surgimento da oportunidade para a regulamentação da mídia, externado nas palavras da presidenta Dilma, o Congresso Nacional deve equacionar essa lacuna democrática que há mais de duas décadas pede para ser preenchida. Mas não de qualquer forma.
A regulamentação do espectro eletromagnético deve respeitar os padrões internacionais de liberdade de expressão que trazem critérios claros para garantir maior pluralismo e diversidade nos meios de comunicação. Nesse sentido, deve ocorrer de forma transparente, com a participação da sociedade civil, garantindo paridade na concessão das licenças para o setor comunitário, público e comercial, além de estabelecer políticas públicas que favoreçam a programação independente e regional.
Qualquer regulamentação, portanto, deve buscar garantir que o interesse público esteja em primeiro lugar na alocação de frequências, ao passo que busque contemplar também independência editorial, pluralismo e a diversidade entre os veículos de comunicação.
Ocorre que o pluralismo e a diversidade só serão garantidos por meio de leis que garantam condições igualitárias para os diferentes meios (comunitário, público e comercial) e estabeleçam sanções à concentração econômica do setor, uma vez que a existência de monopólios e oligopólios conspira contra o sistema democrático ao limitar o pleno exercício do direito à informação e à liberdade de expressão.
Como recomendam os padrões internacionais de liberdade de expressão, não apenas a regulamentação de leis para prevenir o monopólio e oligopólio devem ser alvo dos legisladores, como também devem ser adotadas medidas para coibir a propriedade dos meios de comunicação por políticos, garantir a participação de grupos locais que representem a cultura e valores de cada região, além de se estabelecer critérios para a transmissão de programação em horário adequado à faixa etária de crianças, como já acontece com a norma da “classificação indicativa”.
Outra medida que merece extrema urgência é o estabelecimento de meios legais para garantir a defesa do público contra programas ou propagandas que veiculem discurso de ódio ou conteúdo prejudicial à saúde ou meio ambiente. Não menos importante é a necessidade de regulamentar o direito de resposta, determinando a sua dimensão e limites em lei específica.
Por fim, é importante lembrar que os organismos internacionais de direitos humanos (ONU, UNESCO e CIDH) já se manifestaram diversas vezes no sentido de afirmar que somente através de uma mídia livre, independente e plural é possível existir um ambiente propício para a livre circulação de opiniões e ideias, motivo pelo qual diversos países, como os Estados Unidos, França, Inglaterra, Argentina e Uruguai, possuem legislação própria para democratizar os meios de comunicação.
Diante deste quadro, não restam motivos para que a regulamentação da mídia no Brasil não seja finalmente encaminhada no país.