Você já imaginou ter que pagar 10 mil reais para postar no Facebook?
Pois esta é a situação do advogado e engenheiro agrônomo Ricardo Fraga, que desde março de 2013 se encontra proibido de usar redes sociais ou qualquer outro meio para fazer menção ao conjunto residencial “Ibirapuera Boulevard”. O empreendimento está sendo erguido pela construtora Mofarrej no bairro Vila Mariana, na zona sul de São Paulo. Além da restrição na internet, Fraga também está impedido de realizar qualquer tipo de protesto dentro de um raio de um quilômetro da obra. A multa caso desobedeça uma das proibições é de justamente 10 mil reais.
Trata-se do primeiro caso que se tem notícia no Brasil de censura ao direito de manifestação na internet. Tudo isso porque Fraga, que mora no bairro, é o principal articulador da campanha “O Outro Lado do Muro”, criada em 2011 para promover uma reflexão sobre a cidade e para questionar o impacto ambiental do empreendimento imobiliário. Segundo a campanha, o projeto das três torres residenciais, de 27 andares cada, descumpriria a legislação ambiental por estar sendo feita sobre o rio Boa Vista, hoje canalizado.
A campanha obteve êxito e se tornou popular no bairro graças ao caráter lúdico das intervenções para chamar a atenção aos problemas referentes à verticalização excessiva da cidade. Nas ações, as pessoas eram incentivadas a subir uma escada para ver, sobre um muro, o terreno onde estava sendo realizada a obra. Em seguida eram convidadas a desenhar numa pequena lousa o ideal de cidade que imaginassem; os desenhos eram então expostos em um “varal de desejos”.
Para divulgar as ações na internet, um perfil de Facebook foi criado. Além disso, a campanha conseguiu colher mais de cinco mil assinaturas em um abaixo-assinado.
Como resultado da mobilização promovida por Fraga, os alvarás da obra da Mofarrej chegaram a ser suspensos duas vezes, e o Ministério Público abriu um inquérito para investigar possíveis irregularidades.
A construtora decidiu então acionar o Judiciário, solicitando que as manifestações da campanha articulada por Fraga fossem restringidas, além de pedir o pagamento de uma indenização por danos morais e materiais decorrentes da campanha.
Como resultado, a 34ª Vara Cível de São Paulo expediu liminar proibindo Fraga de mencionar a Mofarrej na internet, e de protestar contra a obra em um raio de um quilômetro. A página da campanha criada no Facebook foi autorizada a permanecer no ar, mas todas as postagens sobre o empreendimento e a construtora tiveram que ser retiradas.
Em reação à decisão, um manifesto foi redigido em apoio ao ativista, e obteve o apoio de personalidades como o jornalista Leonardo Sakamoto e a urbanista Raquel Rolnik, além de diversas organizações da sociedade civil, como o Intervozes, a Global Voices e a ARTIGO 19.
No dia 15 de maio de 2013, a 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu por manter as proibições, mas diminuiu a distância de restrição de protesto de um quilômetro para um quarteirão da obra. Manifestantes, presentes ao julgamento, protestaram contra a decisão, cobrindo a boca com faixas pretas em alusão ao cerceamento do direito da liberdade de expressão. O protesto repercutiu em diversos veículos da imprensa.
Mais de um ano depois, no último dia 19 de setembro, o caso voltou para a 34ª Vara Cível, que, em sentença, confirmou o veto aos protestos e determinou novamente o raio de um quilômetro dentro do qual Fraga não poderá protestar contra a obra.
O ativista, que neste ano tomou posse no Conselho Participativo da cidade como representante da Vila Mariana, já anunciou que recorreu da decisão.
“Recorri porque se trata de uma questão de direitos humanos, de cerceamento do direito à livre expressão. Ali estabeleci uma relação estreita com minha comunidade, a quem devo e quero prestar satisfação de minha luta, que não para após terem me eleito como seu representante”, protesta. “Uma decisão como essa é uma violência contra mim. Guardadas as devidas proporções, sou um torturado dos tempos modernos.”
Ele ainda justifica a campanha contra o conjunto residencial. “No fundo, o que eu estava fazendo era transparecer os processos administrativos de licenciamento da obra, que são públicos. Afinal, o que querem esconder? Considero tudo isso uma grande tristeza”, lamenta.
Para Camila Marques, advogada do Centro de Referência Legal, da ARTIGO 19, Fraga jamais poderia ter sido proibido de se manifestar sobre o empreendimento.
“Os padrões internacionais apontam que restrições somente serão legítimas caso haja clara necessidade social e deverá se utilizar da medida menos coercitiva. Claramente, não foi o que aconteceu na decisão que proibiu Ricardo Fraga de se manifestar”, afirma.
Camila diz ainda que o Judiciário não considerou que os direitos de propriedade e de livre iniciativa não estavam sendo barrados ou interrompidos pelo protesto de Fraga, conforme alegaram os advogados da Mofarrej. “Não se pode esquecer o interesse público inerente à campanha ‘O Outro Lado do Muro’, justificado pela possível consequência ao bairro e seus moradores, foi completamente ignorado”, conclui.