A ARTIGO 19 esteve no dia 28 de agosto na audiência pública “Rádios Comunitárias: desafios e perspectivas”, que aconteceu na sede da Procuradoria Regional da República da 3ª região, em São Paulo. De iniciativa da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), o evento foi a primeira de uma série de audiências com o mesmo tema que deve percorrer todas as cinco regiões do país até o final do ano, segundo estimativa do próprio órgão.
Reunindo organizações civis, representantes do poder público e de rádios comunitárias da região, o evento teve como objetivo promover o diálogo entre os divergentes interesses e opiniões acerca da radiodifusão. As organizações que estiveram presentes, além da ARTIGO 19, foram o Coletivo Intervozes, a Associação Mundial de Rádios Comunitárias (AMARC), o Movimento Nacional de Rádio Comunitária (MNRC), a Associação Brasileira de Radiodifusores (Abra), a Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço) e a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), esta última representando o interesse comercial na radiodifusão. Do poder público, estiveram a Anatel e o Ministério Público Federal. Já o Ministério das Comunicações e a Polícia Federal, que haviam confirmado presença, não compareceram.
A mesa de abertura discutiu o tema “Democracia e Radiodifusão: o espaço da rádio comunitária”, e foi composta pela Abert, ARTIGO 19, MNRC, AMARC e ABRAÇO. Dando início ao debate, a palavra foi dada ao representante da Abert, que levou questões técnicas e enfatizou a importância da legalidade, ressaltando que também eram vítimas de fiscalizações periódicas e rigorosas. O representante da Abraço, José Soter, criticou a postura da Abert, apontando que a associação comercial insistia em tratar da tecnicidade da questão, que era, na verdade, uma questão política.
Em seguida, Paula Martins, diretora da ARTIGO 19, lembrou a função social que muitas rádios comunitárias têm e a sua importância em cada região do país. Paula falou de pesquisas jurisprudenciais que evidenciam a tendência do Poder Judiciário em criminalizar as rádios comunitárias, ao invés de optar por sanções administrativas ou cíveis (como recomendado pelo direito internacional), e que tal atitude incrimina um direito fundamental, que é o da liberdade de expressão. “A liberdade de expressão não é somente um direito individual, mas coletivo, e, ao cercear o direito de um comunicador comunitário, o direito da comunidade de receber a informação também é violado”, disse.
Já o representante do MNRC, Ângelo Inácio, apontou o monopólio da comunicação e a propriedade por políticos como um problema estrutural e que impede a democratização dos meios de comunicação. Segundo entendem, o Ministério das Comunicações contribuiu e continua contribuindo para o fortalecimento desse grupo de interesse, opinião que foi reiterada por José Soter, da Abraço, dizendo haver um “cerco absoluto” às rádios comunitárias, que parte dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, tendo a Abert grande influência em todos os três.
A discrepância de tratamento recebido pelas rádios comerciais em relação às comunitárias pode ser aferida numericamente: enquanto às comunitárias é imposto o limite de 25 watts, o limite das comerciais é de 10 mil watts.
A mesa seguinte foi composta por Pedro Ekman, do Intervozes, Everaldo Gomes, da Anatel, Jefferson Dias, procurador da República, e por um representante da rádio Heliópolis, para tratar do tema “Fiscalização da Radiodifusão: desafios e perspectivas”. Uma das questões levantadas abordou a legalidade por parte das emissoras comerciais, evidenciando irregularidades em práticas comuns como a propriedade por políticos e o arrendamento de horários, geralmente feito por igrejas. Jefferson Dias enfatizou o caráter “esquizofrênico” do Ministério Público em seu tratamento para com as rádios comunitárias, destacando a falta de unidade sobre a questão como um grande entrave.
Foi destacado, tanto pelas organizações como pelos comunicadores comunitários, o dever do Ministério Público em se aliar às rádios comunitárias, tendo em vista a função social exercida por elas e a garantia da liberdade de expressão, almejando a democratização dos meios de comunicação.