Liberdade de manifestação está sob ameaça no Brasil

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Crédito: Mídia Ninja

 

Os vídeos, fotos, reportagens e relatos que circulam pela internet nos últimos dias deixam claro: o direito à manifestação foi abertamente cerceado pelo Estado brasileiro nos primeiros dias de Copa do Mundo no país.

A série de violações começou logo no dia de abertura do evento, quando São Paulo foi palco de uma prática até então inédita no ciclo recente de protestos. Perto das 10 da manhã do dia 12 de junho, a tropa de choque da Polícia Militar atacou com bombas cerca de 50 pessoas que apenas começavam a se reunir para participar de manifestação marcada para aquela data.

Mais tarde, a tropa de choque desferiu ataque de mesma intensidade à manifestação realizada em frente ao Sindicato dos Metroviários, deixando diversas pessoas feridas, inclusive jornalistas. Imagens flagraram um policial espirrando spray de pimenta nos olhos de um manifestante completamente imobilizado.

Presente à manifestação, o professor da USP Pablo Ortellado assim comentou o episódio:

 “A polícia tinha orientação para não deixar a manifestação acontecer. Mais de trinta policiais recebiam os manifestantes ainda na catraca do metrô e os revistavam ou já detinham. Do lado de fora, pelo menos duzentos policiais da tropa de choque esperavam os que conseguiam passar. Na concentração, sem que nada tenha acontecido e quando apenas algumas centenas de manifestantes tinham conseguido chegar, a tropa atacou com bombas de concussão e gás lacrimogêneo. Quando o ataque acabava e as pessoas respiravam, ela, sem motivo algum, atacava de novo. Havia mais de uma centena de jornalistas estrangeiros e isso não parecia inibir a arbitrariedade da polícia.”

Victor Ribeiro, midiativista da WITNESS.org, também testemunhou in loco a repressão policial à manifestação de São Paulo. Segundo ele, a Polícia Militar buscava almejar deliberadamente profissionais da imprensa:

“Em algum momento, em que a imprensa tentava se proteger em um posto de combustível, era possível perceber que muitas balas de borracha e bombas eram disparadas para coibir a ação de cobertura que esses profissionais faziam. Eu me refugiei atrás de um poste e pude ouvir as balas de borracha ricocheteando nele, o que indica que elas estavam em minha direção. E nessa direção só havia profissionais da imprensa.”

No mesmo dia, em Belo Horizonte, a cena se repetiu, e manifestantes também sofreram com dura repressão policial. No caso mais emblemático, a midiativista Karinny de Magalhães, da Mídia Ninja, que transmitia a manifestação ao vivo pela internet, foi detida e levada por policiais. Karinny conta que chegou a ser espancada a ponto de perder a consciência, sendo posteriormente encaminhada para uma penitenciária, de onde foi libertada apenas no dia seguinte.

Em texto publicado no site da Mídia Ninja, ela descreveu o acontecido:

“No momento do espancamento, um deles me acertou o lado esquerdo da cabeça. Desmaiei por um tempo. Quando me dei conta, estava acordando à base de mais tapas com os gritos de “Acorda, filha da p***!”, e quando recuperei a consciência, estava novamente junto aos 3 manifestantes que também foram recolhidos. Em seguida, fomos algemados e mantidos de pé por cerca de 2 horas, onde ouvimos calados os xingamentos, recebemos de olho aberto os cuspes e empurrões. Além de ter que aguentar isso, tive que escutar cantadas fajutas que me chamavam de “Gostosa!”, sendo declaradas em baixo tom para que não fosse ouvido por muita gente. Nojo Define!”

Dois dias mais tarde, no dia 14, a capital mineira foi palco de mais uma flagrante violação por parte do Estado. Segundo reportagem assinada pelo repórter Piero Locatelli, da Carta Capital, “cerca de quatro mil policiais, em sua maioria da tropa de choque, sitiaram manifestantes na praça Sete”, inviabilizando na prática o direito à manifestação. A situação perdurou por seis horas, e só depois de negociação do Ministério Público, os manifestantes puderam marchar até uma praça a 500 metros do local de concentração.

O Rio de Janeiro também vivenciou momentos de estado de exceção nos últimos dias.  Na véspera do início da Copa do Mundo, 10 ativistas foram levados à delegacia para serem interrogados sob alegação de serem black blocs. Agentes da polícia cumpriram ainda 17 mandados de busca e apreensão nas casas de pessoas apontadas como tendo participação direta ou indireta em prática de atos violentos durante protestos. Computadores e dispositivos de mídia foram apreendidos.

Ainda no Rio, no domingo (15), manifestantes que tentaram marchar rumo ao Maracanã foram confrontados com intensa repressão da Polícia Militar. O episódio carioca, no entanto, apresentou um forte agravante. Vídeo do jornal A Nova Democracia flagrou um policial fazendo uso de munição letal durante a manifestação.

O perfil de Facebook do Coletivo Mariachi, grupo de midiativistas que cobriu o protesto, publicou relato sobre um de seus membros que ficou ferido durante a ação policial:

“Nosso companheiro de coletivo, Wilson Ventura, foi atingido provavelmente por uma bala de acrílico e está com uma fratura exposta na mão. Ele foi levado ao hospital. Há relatos de alguns manifestantes que dizem ter ouvido disparos de munição letal nos arredores do Maracanã.”

Diante de tantas violações flagradas em vídeo e imagens, causa assombro o silêncio dos governantes em relação ao cerceamento à liberdade de manifestação no país. Pior: em São Paulo, o secretário de Segurança Pública, Fernando Grella, chegou a elogiar o trabalho da Polícia Militar, dizendo que a corporação “agiu corretamente”, mesmo após a divulgação de imagens que indicaram a ocorrência de violência policial generalizada.

Frente aos inúmeros casos de violações constatados nos primeiros dias de Copa do Mundo, a ARTIGO 19 entende que a liberdade de manifestação está sob ameaça no Brasil e clama urgentemente por uma forte mobilização da sociedade civil capaz de pressionar o Estado brasileiro a respeitar os direitos democráticos conquistados a duras penas nas últimas décadas.

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