Organizações debatem violações à liberdade de expressão em evento em São Paulo

Na última quarta-feira (30), a ARTIGO 19, a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e a rede internacional de organizações Ifex-ALC promoveram o evento “Liberdade de Expressão em Debate: Um Panorama das Violações no Brasil e na América Latina”, que ocorreu no auditório Premium, em São Paulo.

Escalados para fazer a discussão estavam Paula Martins, diretora-executiva da ARTIGO 19 para a América do Sul, Guilherme Alpendre, secretário-executivo da Abraji, Lúcia Rodrigues, jornalista, Pedro Vaca, da organização colombiana Flip, Alexandra Montgomery, advogada da Justiça Global e Guilherme Canela, conselheiro de comunicação e informação da Unesco.

Quem primeiro falou foi Lúcia Rodrigues, que contou sobre a ameaça que sofreu do vereador paulistano Coronel Telhada (PSDB), ex-comandante da Rota (uma tropa especial da polícia de São Paulo), durante entrevista que realizou com o parlamentar em março de 2013. “Ele ficou indignado quando o questionei sobre o fato de pessoas que haviam financiado sua campanha terem se tornado seus assessores, e me disse para eu tomar cuidado com o que publicaria, pois ‘a paulada viria no mesmo ritmo’”, revelou. Lúcia também lembrou sobre o caso do ex-repórter da Folha de São Paulo André Caramante, que depois de ter publicado matéria sobre o vereador, passou a sofrer ameaças por telefone e precisou deixar o país. “Esse tipo de coisa não acontece só no interior, mas também em São Paulo. Hoje é comigo e com o André, amanhã é com qualquer um. Se a gente não der um basta, isso vai continuar.”

Paula Martins comentou sobre os resultados alcançados no relatório “Violações à Liberdade de Expressão”, produzido pela ARTIGO 19, e que compilou as violações à liberdade de expressão de comunicadores e defensores de direitos humanos ocorridas no Brasil em 2013.  “Identificamos que um dos principais motivos por trás dessas violações reside na intolerância da classe política, principalmente em regiões distantes, mas que vêm se repetindo também em centros urbanos”, destacou. Segundo ela, o Estado brasileiro por muito tempo se recusou em reconhecer a existência de violações que atentassem especificamente contra a liberdade de expressão. “Representantes governamentais costumavam dizer que as violações que ocorriam eram em razão da violência comum. Mas agora o discurso felizmente está mudando, e já é possível notar um reconhecimento por parte do Estado de que se trata de violações com particularidades próprias.”

Já Alexandra Montgomery falou sobre o Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, concebido em 2004, mas que só passou a funcionar em 2007.  Segundo a advogada, o programa tem recebido muitas críticas.  “São 1.000 pessoas identificadas como ameaçadas no Brasil, e 404 delas estão hoje no programa. Mas sua execução é ruim, pois não há prioridade política”, afirmou. Alexandra também concordou com a observação de que o fato de as pessoas inclusas no programa terem que suspender suas atividades faz com que o agressor que as ameaçaram atinja seu objetivo. “Em tese, a pessoa não deveria ser afastada de suas atividades. Mas quando isso acontece, o agressor consegue justamente o que queria: silenciá-la.”

Pedro Vaca lembrou que são constantes as agressões contra profissionais na imprensa em toda América Latina. “Pelo menos 300 jornalistas na América Latina sofreram ataques durante protestos no ano passado”, informou o colombiano, que disse ainda que na maior parte dos casos é a polícia que está por trás da agressão. Trata-se de um constatação corroborada por Guilherme Alpendre, que contou que a Abraji buscou registrar todos os ataques sofridos por jornalistas durante os protestos de 2013 no Brasil. “Em nossa investigação, verificamos em entre 75% a 80% dos casos, as agressões partiram de policiais e aconteceram de forma deliberada”, informou.

Guilherme Canela recordou que um diagnóstico preciso das violações contra a liberdade de expressão é essencial para o desenho de políticas publicas eficientes e específicas. “A estratégia para proteger uma radialista comunitária ameaçada que atua no Bico do Papagaio deve ser diferente daquela para proteger o jornalista ameaçado da Folha de São Paulo”, disse. Para ele, é preciso ainda desenvolver uma estratégia específica para atacar a impunidade. “Da forma como está, o custo de ser violento contra jornalistas é pequeno, o que ajuda a perpetuar a situação.” No que diz respeito aos protestos, o conselheiro da Unesco criticou a postura do Estado brasileiro. “Os projetos de leis que correm no Congresso para criminalizar manifestações mostram que é baixo o desejo de o Estado de garantir a liberdade de expressão nesse contexto.”

Ao fim do evento, foi apresentado o relatório “Violações À Liberdade de Expressão”, produzido pela ARTIGO 19. A íntegra do trabalho pode ser vista aqui.

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