Documento tenta barrar PL que criminaliza atos de protesto

Em prol de direitos fundamentais como a liberdade de expressão e manifestação, as instituições Artigo 19, Conectas Direitos Humanos,Greenpeace Brasil, IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa) e o Comitê Popular da Copa SP, grupo de articulação de diversos movimentos sociais, encaminharam hoje ao Senador Pedro Taques (PDT) uma carta pedindo o arquivamento do Projeto de Lei 508/2013, que vai para votação no Legislativo.

O Senador é autor de um substitutivo ao projeto que visa alterar o Código Penal para instituir qualificadoras e aumentos de penas a crimes cometidos durante manifestações. Esse substitutivo seria votado hoje na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), mas, devido a pedido de vista coletivo, sua apreciação foi adiada para a próxima reunião da Comissão, a ser realizada, provavelmente, na próxima semana.

Sob a justificativa da garantia da segurança pública e com a aproximação da Copa do Mundo, o Estado tem se utilizado de legislações criminais para tratar de questões sociais, à margem de procedimentos jurídicos e garantias legais. Nesse contexto de exceção, fica visível a insatisfação da população com as prioridades do governo.

O documento alerta que condutas já puníveis pelo direito penal passariam a ser agravadas por motivo meramente fático, que é a presença do cidadão em manifestação. Para as organizações o PLS 508/13 pode ser considerado um verdadeiro instrumento político para criminalização dos protestos e dos movimentos sociais, o que é incompatível com o Estado democrático.

É por isso que o Legislativo precisa adotar medidas para garantir direitos aos manifestantes, na contramão do que prevê a proposta do senador Pedro Taques, que traz como único foco para os protestos o direito penal e a criminalização.

Leia a carta na íntegra abaixo:

Ao
Senador da República
Exmo. Sr. Pedro Taques
Brasília, DF

Ref.: Projeto de Lei do Senado nº 508/13

Ilustríssimo Senador da República, Sr. Pedro Taques,

ARTIGO 19 Brasil, Conectas Direitos Humanos, IDDD – Instituto de Defesa do Direito de Defesa, Greenpeace Brasil e Comitê Popular da Copa – São Paulo, vêm acompanhando com preocupação as medidas adotadas pelo Estado Brasileiro no contexto das manifestações que se intensificaram em todo o país desde Junho de 2013.

Nesse sentido, o objetivo desta carta é apontar as razões pelas quais faz-se imprescindível que o Legislativo, por meio de sua função primordial de regulamentar os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, se abstenha de promover ações que interfiram negativamente no direito de manifestação.

Referido direito está consagrado internacionalmente pela inter-relação entre o direito à liberdade de expressão, direito de reunião e associação pacíficas.

Estes são direitos humanos garantidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e na Convenção Americana de Direitos Humanos, todos ratificados pelo Brasil. São ainda, direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal em seu artigo 5º incisos IV, XVII e XVIII.

A existência de proteção legal e diretrizes no direito internacional, contudo, não é suficiente para que o direito de protesto seja concretizado na prática nacional. Uma série de medidas concretas, positivas e negativas, devem ser implementadas pelo Estado para que os indivíduos possam exercer livremente o seu direito de manifestação, o que flagrantemente não tem ocorrido no país. Ao contrário do que preveem a legislação pátria e os padrões internacionais sobre o assunto, a atuação do Estado foi baseada quase exclusivamente na repressão e criminalização deste direito.

Durante os protestos ficou flagrante o uso indiscriminado de armamentos menos letais contra manifestantes, causando lesões graves e, inclusive, mutilações e mortes de manifestantes, jornalistas e transeuntes, conforme amplamente noticiado nos diversos veículos de mídia do país. Alie-se a isto o fato de que inexiste um regulamento específico que determine o modo de utilização deste tipo de armamento pelas forcas de segurança durante manifestações públicas.

Em diversos momentos houve abuso de autoridade e realização de práticas ilegais pela polícia, como as prisões por averiguação realizadas em massa, e a falta do uso da identificação obrigatória por grande parte do efetivo.

Além disso, nas delegacias de todo o país, manifestantes detidos foram enquadrados em artigos penais que são manifestamente inadequados ao contexto dos protestos sociais, como a utilização do crime de formação de quadrilha e de desacato.

Estes fatores, dentre outros, demonstram um tratamento inadequado dado pelo Estado e seus agentes aos manifestantes.

Nesse sentido, as entidades abaixo assinadas veem com preocupação o atual Projeto de Lei do Senado nº 508/2013, que tramita na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania do Congresso Nacional, e ao qual o senador apresentou um substitutivo ao texto original. Isto porque o atual texto do substitutivo prevê alteração no Código Penal para instituir qualificadoras e aumentos de penas para os crimes de homicídio, lesão corporal e dano, se cometidos em protestos, além de estabelecer como agravante penal o uso de máscaras.

Dessa forma, condutas já puníveis pelo direito penal passam a ser agravadas por motivo meramente fático, que é a presença em manifestação. Isto é deveras problemático, uma vez que se torna instrumento político para criminalização dos protestos. Não se defende, obviamente, que tais crimes não devam ser punidos, nos termos da lei e do devido processo legal. O que se ressalta aqui é que não há necessidade de aumentar as penas somente pelo fato de serem cometidos no contexto das manifestações populares.

É preciso considerar que a atuação das polícias durante os protestos é questionável tanto do ponto de vista do direito e dos padrões internacionais, como do ponto de vista do próprio direito pátrio. Prisões ilegais, prisões para averiguação, indiciamento de manifestantes sem individualização das condutas e forja de flagrantes tem sido comuns e amplamente noticiados. Nesse sentido, a subversão da noção de responsabilidade subjetiva, que implica na atribuição de culpa de condutas individualizadas, pode ser agravada com a aprovação do PL 508/2013, tornando-se mais uma justificativa para a ação arbitrária dos agentes policiais durante os protestos.

O direito penal, como é sabido, deve ser a ultima ratio, ou seja, medida excepcional quando estritamente necessária para penalizar um individuo que tenha cometido determinado crime previsto em lei. A atribuição “criminal” que busca-se caracterizar as manifestações sob o pretexto de garantir a ordem pública revela uma tendência do Estado em se utilizar de mecanismos de exceção para lidar com os manifestantes, à margem de procedimentos jurídicos e garantias legais.

A criminalização da liberdade de expressão, e nesse caso dos manifestantes, por si só, é incompatível com o Estado democrático. Outras punições menos restritivas à liberdade de expressão já existem para coibir possíveis abusos cometidos nas manifestações e, quando estritamente necessário e proporcional ao ato cometido por um determinado indivíduo, o Código Penal já prevê atuação do papel repressor do Estado. As entidades subscritoras acreditam que o Legislativo deve adotar medidas para garantir direitos aos manifestantes, na contramão do que prevê o Projeto de Lei em debate, que traz como único foco para os protestos o direito penal e a criminalização.

Desta forma, solicitamos que o PLS 508/2013 e seu atual substitutivo sejam arquivados sob pena de provocar uma grave e injustificável violação aos direitos humanos reconhecidos pela Constituição Federal e pelos tratados e convenções internacionais ratificados pelo Estado brasileiro.

ARTIGO 19
camila@article19.org

Conectas Direitos Humanos
rafael.custodio@conectas.org

IDDD – Instituto de Defesa do Direito de Defesa
isadora@iddd.org.br

Greenpeace Brasil
barbara.rubim@greenpeace.org

Comitê Popular da Copa – São Paulo

 

Crédito da Imagem: Pedro Chavedar

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