Artigo 19 participa do debate mundial dos Direitos Humanos em Brasília

forum DHBrasília recebeu, entre os dias 10 e 13 de Dezembro, o Fórum Mundial dos Direitos Humanos. A ARTIGO 19 marcou presença no evento, junto com diversas outras associações, ONGs, entidades brasileiras e estrangeiras. A participação da ARTIGO 19 deu-se a vários níveis, desde a organização de oficinas de divulgação e capacitação nas áreas de liberdade de expressão e acesso à informação, exibição de um documentário, entrevistas, debates e troca de experiências profissionas e pessoais. Saiba, em pormenor e de forma temática, como decorreram as nossas actividades.

  • Oficina: “Proteção à comunicadores ameaçados de morte”

CAM00363Os sindicalistas do campo da radiodifusão foram os principais participantes desta oficina prática. A ARTIGO 19 apresentou as discussões sobre políticas públicas de proteção que estão em curso, destacando os trabalhos do GT Comunicadores da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Todos os participantes fizeram relatos profundos e emocionantes desse problema em seus Estados. O foco da apresentação da ARTIGO 19 foi a importância das medidas de autoproteção, além da adoção de medidas de combate às causas estruturais e de políticas públicas. Para a organização, a proteção deve ser interpretada de maneira holística, adotando medidas de prevenção e combate à impunidade. Os participantes demonstraram grande interesse e sensibilidade pelo tema. Inclusive, o Sindicato dos Radialistas do Sergipe já agendou para janeiro uma oficina de proteção para radialistas ameaçados.

 

  • Entrevistas a defensores de Direitos Humanos

1463155_255269651298825_1835691886_nA ARTIGO 19 aproveitou as atividades voltadas aos defensores dos direitos humanos que ocorreram no Fórum, para entrevistar defensores incluídos no Programa de Proteção. Foram nove entrevistas com perfis diferentes de defensores, tais como líderes indígenas, quilombolas, lideranças de movimentos de moradia e de luta pela terra. As entrevistas buscaram saber as opiniões dos defensores sobre o programa, que dificuldades ainda enfrentam mesmo inclusos no programa, o que melhorou após a inclusão e quais aspectos ainda precisam ser trabalhados. As entrevistas serão compiladas e através desse material a ARTIGO 19 irá elaborar um capítulo no Relatório Anual de Violações à Liberdade de Expressão que analisará o Programa e apontará a Secretaria de Direitos Humanos uma série de recomendações e de melhorias que consideramos necessárias.

A ARTIGO 19 também apresentou uma comparação dos programas de proteção brasileiros e colombianos durante o seminário “A União Europeia e o Brasil em Suporte aos Defensores de Direitos Humanos”, no primeiro dia do Fórum. Os participantes, principalmente compostos por defensores de direitos humanos e equipes técnicas, ficaram muito curiosos com relação aos métodos e medidas aplicadas pelo país vizinho.

  • Documentário “Princípio 10”

A ARTIGO 19 apresentou o documentário “Princípio 10”, seguido de um debate sobre as questões levantadas pelo filme. A discussão se deu em torno do acesso à informação, à participação popular e à Justiça de populações residentes em áreas de preservação ambiental, mas evoluiu também para as questões colocadas com a formulação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e relatos de desalojamento de moradores de áreas ocupadas em Belo Horizonte, Minas Gerais, além de experiências pessoais dos participantes.

Os participantes se sensibilizaram com a história de famílias que estão em risco de serem retiradas de suas casas por ordem do governo do Estado de São Paulo devido à passagem de uma nova rodovia na região – o Rodonanel. O projeto da Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S.A) foi sendo construído ao longo da última década, sendo este o trecho final que completa o anel – o trecho norte. Este trecho perpassa a Cantareira, a maior serra urbana do mundo, ameaçando não só a área ambiental do entorno, mas também dezenas de famílias. Uma das participantes do debate trabalha no Serviço de Assessoria Jurídica Universitária (SAJU) da Universidade de São Paulo e vive em Guarulhos, numa área próxima àquela em que o Rodoanel passará. Ela relatou a falta de informações quanto à retirada de moradores e impactos ambientais. Outro participante, natural da Espanha, deu relatos de como o Acesso à Informação está sendo regulamentado na forma de lei em seu país.

  • Oficina: “Uso da Lei de Acesso à Informação para garantia dos direitos humanos”

Oficinas acesso 034A Oficina contou com a participação de algumas dezenas de pessoas, entre servidores públicos, jornalistas, estudantes e representantes de organizações e movimentos sociais. Disponibilizamos na Oficina vários materiais de acesso à informação, como as cartilhas temáticas que acabámos de lançar e a cartilha para servidores públicos. No primeiro momento, abordou-se o conceito de informação, destacando os fatores que podem influenciar no momento da transmissão da informação. Posteriormente, apresentou-se uma conceituação do direito à informação, demonstrando através de exemplos como este direito influencia em outros direitos humanos. Trabalhando a regulamentação do direito à informação no Brasil, abordamos a Lei de Acesso à Informação em suas duas esferas: transparência ativa e transparência passiva. Por último, fizemos um exercício prático em que as pessoas escreviam seus próprios pedidos de informação.

Também foram debatidos alguns temas polêmicos como as informações pessoais e a utilização da informação pública recebida. Alguns servidores relataram que se preocupam que a informação que disponibilizam possa ser utilizada de forma prejudicial à comunidade, como especulação imobiliária e identificação pessoal. Por outro lado, jornalistas apontaram casos em que é pedido ao requerente da informação assinar um protocolo em que compromete-se a utilizá-la apenas para fins específicos, o que é contra a lei. Ressaltamos que o requerente não precisa justificar o pedido de informação, uma vez que esta lhe é de direito. Outro ponto debatido foi a negativa de acesso à informação sob o argumento que o órgão não possui a informação. Os servidores públicos presentes destacaram que as políticas de arquivamento e gestão de informação dentro dos órgãos são recentes, e consequentemente, ainda não suficientes. Outros servidores comentaram ainda que os pedidos de informação feitos auxiliaram em investigações e mudanças internas, desde políticas de menos gastos e campanhas de combate ao assedio sexual. Um representante da CGU destacou que os pareceres dos recursos analisados pelo órgão em breve estariam disponíveis, pedindo nosso apoio para divulga-los. No final, demos uma entrevista ao observatório boliviano de los recursos naturales, comentando sobre a LAI e seus dispositivos, uma vez que estes estavam gravando depoimentos e entrevistas no fórum para produzir um documentário.

  • Oficina: “Fui Processado. O que faço?”

O Centro de Referência Legal da ARTIGO 19 realizou uma oficina com o objetivo de orientar os blogueiros, internautas e toda a sociedade a se expressar livremente na internet de maneira mais segura. Sabemos que hoje em dia a internet ocupa um espaço muito importante na vida das pessoas e passou a ser um dos principais agentes da comunicação. Indivíduos de todas as partes do mundo se expressam ali, publicando e circulando num nível sem precedentes opiniões, críticas e outros materiais elementares para a discussão de assuntos de interesse da sociedade. Muito se faz para tentar brecar o debate público sobre determinados fatos. Um destes meios consiste em processar tanto civilmente quanto criminalmente aquele indivíduo que publicou o conteúdo na rede. Contudo, deve-se levar em consideração que a liberdade de expressão é um direito humano e que para ser restringido é necessário que se obedeça a determinados critérios. Debater quais critérios são esses e quais argumentos deve-se usar nas ações judiciais foi justamente o objetivo da oficina.

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A oficina contou com a presença de cerca de 25 pessoas, dentre estudantes, professores e blogueiros, de todas as idades. Primeiramente, fez-se uma contextualização dos diferentes tipos de intimidação judicial que tem ocorrido contra a liberdade de expressão daqueles que denunciam algo nas redes sociais ou publicam qualquer tipo de conteúdo que possa ser visto como ofensivo. Após, os participantes foram convidados a falar, em uma palavra, o que pensam ser a principal motivação que gera um processo judicial contra algum tipo de manifestação na internet, dentre os exemplos citados estão: expressão de críticas que são encaradas como ofensa à honra, supostas violações a privacidade, entre outras. Os exemplos que os próprios participantes trouxeram são analisados no Guia que deu origem à oficina – Fui processado… o que eu faço? – e foram trabalhados ao longo da oficina por meio de casos emblemáticos em que pessoas são acusadas de ferir a honra ou privacidade de alguém, bem como, infringir algum direito autoral ou à marca.

No seguimento da exposição de diversas orientações sobre como agir nestes casos, os participantes puderam escolher alguns casos reais para simular uma defesa jurídica baseada no direito à liberdade de expressão. Os casos apresentados foram: “Falha de São Paulo – violação ao direito de marca do jornal Folha de São Paulo”, “Jornalista Cristian Goes – condenado por ter escrito uma crônica”, “Jornalista Paulo Henrique Amorin – condenado por ter supostamente violado o direito à privacidade de uma pessoa acusada de se apropriar de dinheiro público”, bem como um caso envolvendo direitos autorais (p.ex: compartilhamento de música sem autorização). Ao final, os participantes expuseram para todo o grupo como os argumentos a favor da liberdade de expressão poderiam ser utilizados em cada caso e os integrantes da Artigo 19 deram outras dicas para fortalecer essa defesa. Os principais argumentos foram: a opinião e a crítica nunca podem ser alvo de responsabilização, se não houve intenção de causar um dano não há como responsabilizar, o interesse público por uma notícia/publicação muitas vezes se sobrepõe à privacidade, pessoas públicas devem ser mais tolerantes às críticas, o compartilhamento que não possui finalidade comercial não viola o direito do autor da obra, a ausência de interesse comercial no uso da marca justifica o seu uso para fins de interesse público. Os participantes se apropriaram desses argumentos e aproveitaram para contar as suas próprias experiências de quando tiveram que retirar algum conteúdo da internet.

  • Rádios Comunitárias

A ARTIGO 19 esteve presente em algumas reuniões e atividades sobre as rádios comunitárias. Dentre as diversas problemáticas que envolvem esse tema, uma pauta em especial ganhou destaque: a criminalização dos comunicadores populares. Devido a algumas leis ultrapassadas e restritivas à liberdade de expressão que entendem que a atividade de radiodifusão sem autorização é crime e por conta também da interpretação da maioria dos juizes de que a rádio comunitária também se enquadra nesses casos, muitos comunicadores populares sofrem com processos judiciais e podem ter que cumprir até 4 anos de prisão apenas por exercer o seu direito à liberdade de expressão e atender aos interesses de sua comunidade. A excessiva burocracia e a demora desproporcional para obtenção das outorgas junto ao Ministério das Comunicações acaba sendo um agravante que frequentemente provoca a criminalização, já que as rádios passam a funcionar enquanto esperam longos anos a licença. Algumas estratégias estão sendo consideradas pela sociedade civil para enfrentamento do problema, como por exemplo: propor uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) no STF para que tais artigos não sejam aplicados aos radiodifusores comunitários, orientar o judiciário sobre os direitos humanos garantidos nos pactos internacionais para que aplique o princípio da insignificância, promover o diálogo com o Ministério das Comunicações para agilizar os processos de outorga e reduzir a burocracia.

 

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