A ARTIGO 19 saúda a visita oficial da Relatora Especial da ONU sobre o direito à água e saneamento, Catarina Albuquerque, ao Brasil. A Relatora chegou ao país no passado dia 9 de Dezembro, tendo já visitado Brasília, com destaque para o seu encontro com autoridades locais na região do Sobradinho, e o Rio de Janeiro, onde visitou o Complexo do Alemão. Inicialmente agendada para acontecer entre 09 e 19 de julho, a visita havia sido adiada por solicitação das autoridades brasileiras.
Em São Paulo, Catarina de Albuquerque se reuniu na Faculdade de Saúde Pública da USP com professores e diretores da faculdade, bem como com diferentes representantes da sociedade civil relacionados com o direito à àgua e saneamento na região. Entre eles a organização Trata Brasil, Vitae Civilis e a Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
No seu encontro com a ARTIGO 19 e outras entidades, a Relatora da ONU destacou que o Direito à Água e ao Saneamento não é um direito isolado, sendo fundamental ter em conta, num país como Brasil, aspectos como a qualidade dos serviços prestados, a sua acessibilidade e disponibilidade estrutural e financeira. Catarina de Albuquerque ressalvou, positivamente, que não vê no Brasil qualquer questão em termos de aceitabilidade relativamente a doações ou ferramentas internacionais que se coloquem à disposição das entidades brasileiras. A Relatora destacou alguns princípios transversais de Direitos Humanos relacionados com o acesso à agua e ao saneamento, tais como a não discriminação, e revelou alguma preocupação relativamente à efetiva participação pública, uma vez que recebeu relatos de que certas pessoas não têm sequer conhecimento de onde se dirigir para saber mais informações sobre o tema.
Na reunião, a organização Trata Brasil realizou uma apresentação, baseada em fotos, tabelas das agências reguladoras e mapas, demonstrando a existência de problemas de tratamento de esgoto, inclusive em cidades consideradas desenvolvidas como Porto Alegre e São Paulo. Um dos problemas apresentados por Édison Carlos, presidente da Trata Brasil, foi a existência de desvio de água – através de encanamentos e ligações clandestinas – para se ter acesso à água. De acordo com Édison, o acesso à água foi o indicador que mais cresceu no Brasil, no entanto este ainda permanece muito desigual. Por um lado, estados como o Distrito Federal com 90% de saneamento e por outro, o Pará com 10% de cobertura. No entanto, os números não refletem a realidade da perda de água no Brasil, não havendo por exemplo, diferenciação entre vazamento por problemas de infra-estrutura e desvio de água/ligações clandestinas. Além do mais, o fato dos dados não serem auditados, dificulta o acesso à informação e a transparência.
A Relatora da ONU ficou particularmente interessada no testemunho do Defensor Público Patrick Lemos, relatando as investigações sobre o problema de falta de água nas prisões. Segundo o Defensor, há racionamento de água diário nas prisões do Estado, apenas sendo liberada água 4 vezes ao dia, por 10 min cada vez, sendo que os presos são obrigados por lei a se manterem limpos. O Defensor relatou ainda casos de punição aos presos, impedindo o acesso à água, e a indireta promoção/benefícios aos gestores das prisões que economizam recursos e cortam gastos.
Na reunião, a ARTIGO 19 destacou a necessidade de que as políticas públicas sejam elaboradas a partir de um diagnóstico claro, em que as atividades sejam compatíveis com os objetivos propostos, por exemplo em termos de otimização de recursos. A ARTIGO 19 destacou ainda a importância da participação popular e do acesso à informação sobre a qualidade da água, citando o exemplo do semi-árido brasileiro. Não é apenas uma questão de disponibilizar a informação, mas em que linguagem e formato, uma vez que muitas pessoas nem possuem acesso à internet. Por fim, destacamos a importância de acompanhar a implementação e cumprimento da Lei de Acesso à Informação pelos órgãos públicos, seja pela transparência ativa ou passiva, uma vez que temos conhecimento de que pedidos de comunidades afetadas pela seca, por exemplo, ainda não foram respondidos e de que existem casos de intimidação junto das populações que demandam maior informação sobre o acesso a água em suas regiões.
Na rota da visita da Relatora estão ainda Fortaleza, onde visitará Itapipoca, e o Pará. Catarina de Albuquerque irá terminar a sua visita com uma conferência de imprensa em Brasília. O relatório final sobre a sua visita ao Brasil será disponibilizado no primeiro trimestre de 2014.