No dia em que a lei 12.527/2011 – Lei de Acesso à Informação (LAI) completa dois anos de sanção pela Presidência da República, a ARTIGO 19 divulga alguns resultados sobre o impacto da LAI para a efetivação dos direitos humanos e a forma como esta está a ser aplicada, fruto de uma série de reuniões com diversas entidades da sociedade civil, nos campos da educação, moradia e saúde.
SAÚDE
No passado dia 7 de Novembro, a ARTIGO 19 e a CRIOLA organizaram uma reunião com o movimento de saúde no Rio de Janeiro. Várias organizações e militantes se reuniram para discutir quais os problemas e as lacunas de acesso à informação na área da Saúde. Relativamente às suas experiências com o poder público desde a implementação da LAI, as organizações ressaltaram que o Ministério da Saúde disponibiliza dados, mas que estes estão em formato bruto, de forma que só especialistas com alguma formação técnica têm reais condições de compreender e de utilizá-los. Para as organizações, a grande questão é a falta de informações sistematizadas e em linguagem simplificada, que facilitem o acesso de todos os cidadãos.
Além disso, as organizações acreditam que um dos problemas fundamentais na organização dos dados disponíveis refere-se ao seu processo de coleta. Muitos critérios importantes não são preenchidos por quem reúne esses dados (especialmente quesitos como raça/cor), dificultando sua desagregação e a sua utilização para planejamento de politicas publicas que atendam a necessidades de grupos específicos, como a saúde da mulher negra, por exemplo. O sistema de coleta dos dados é tão problemático que em alguns casos, como óbitos por HIV, a coleta de dados equivocada gera uma subnotificação aos órgãos públicos, gerando estimativas erradas que fundamentam políticas públicas inadequadas. Uma questão que parece ser central, tendo sido referida por diversas organizações, é o fato de que toda a disponibilização de dados foca a internet como meio de divulgação, sendo que um número grande de pessoas ainda não tem acesso à internet ou não têm familiaridade técnica o suficiente para acessar esses dados.
Tendo em conta os diversos problemas vivenciados, as organizações enumeraram algumas recomendações, tais como: treinamento dos profissionais de saúde para coleta de dados mais completa e desagregação desses dados segundo critérios específicos, como raça/cor; utilizar outros meios de divulgação de informações além da internet, com atenção especial à adequação da linguagem à diversidade e aos contextos culturais específicos dos destinatários dessa informação; unificação dos bancos de dados sobre saúde e/ou sua interoperacionalidade; promoção e popularização da Lei de Acesso à Informação tanto entre servidores públicos quanto entre comunidade; atuação mais contundente do Ministério Público na fiscalização da aplicação da lei; e melhor estruturação e ampliação das informações sobre governança na saúde. Para as organizações, faltam ainda medidas de difusão e capacitação para maior uso da LAI.
EDUCAÇÃO
No campo da educação, a ARTIGO 19 promoveu uma consulta sobre acesso à informação e dados em educação no dia 19 de Outubro, em conjunto com a Ação Educativa, organização parceira no projeto “Implementando o direito à informação no Brasil – uma abordagem setorial”.
O objetivo da consulta era, mais uma vez, verificar as lacunas de acesso à informação na área da educação, apresentar os resultados alcançados através de um trabalho de consultoria, e verificar como as organizações estão utilizando a LAI.
Das diferentes organizações presentes, preocupações comuns surgiram. Ainda existem graves limitações no que diz respeito aos pedidos de informação e à disponibilização das informações, ou seja, no caso de recebimento das respostas por canais não oficiais e sem a identificação de quem respondeu ao pedido, indicando uma incoerência na obrigatoriedade de identificação do cidadão que fez o pedido de informação enquanto o mesmo não é exigido do governo. A disponibilização dos dados em formato não aberto também foi um problema identificado pelas organizações. Outros problemas verificados são a falta de homogeneidade entre os indicadores utilizados, o que impede a comparação entre os municípios, a incoerência entre os dados uma vez que os números divulgados não coincidem com as divulgações anteriores ou de outras fontes e a dificuldade de entendimento dos dados disponibilizados, principalmente dados relativos aos orçamentos, os quais utilizam uma linguagem muito técnica e especializada.
MORADIA
No campo da moradia, no passado dia 29 de outubro, a ARTIGO 19 e o Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos realizaram uma reunião de consulta com organizações e movimentos sociais de moradia na região de São Paulo, com o objetivo de saber como se processa o seu acesso aos mecanismos introduzidos pela LAI. Além da ARTIGO 19 e do Centro Gaspar Garcia, estiveram presentes representantes de diversas organizações e entidades que trabalham no tema.
As organizações levantaram uma série de lacunas de informação na área de moradia, entre elas se destacando dados sobre: processos de regulamentação fundiária, desapropriação, urbanização de favelas, despejos e remoções. As organizações também falaram da grande dificuldade de acessar informações sobre gastos com grandes obras no contexto urbano, como as relacionadas à Copa do Mundo. Além dessas lacunas, vários outros problemas impedem a efetivação do direito à informação na área de moradia, como a falha de comunicação dos órgãos públicos no que diz respeito aos programas de habitação; a complexidade dos dados que são divulgados, fazendo com que somente técnicos consigam efetivamente utilizar esses dados; e a falta de capacitação dos servidores públicos que deveriam dar acesso de modo efetivo e simplificado às informações demandadas. Há, ainda, problemas na efetivação do direito à moradia e no acesso a informações para grupos sociais em condição de vulnerabilidade, como idosos, pessoas portadoras do vírus HIV, pessoas portadoras de deficiência, etc.
No que diz respeito aos mecanismos de participação popular, ressaltou-se que os Conselhos são muito burocráticos, não havendo uma real preocupação em informar os conselheiros – que por sua vez, muitas vezes não conseguem levar as informações necessárias para suas bases / populações que representam. Além disso, os conselhos são consultivos, e não deliberativos, o que faz com que percam força e capacidade de influenciar nas políticas públicas.
A implementação da LAI
Sancionada oficialmente no dia 18 de Novembro de 2011, a Lei de Acesso à Informação foi e é uma vitória da cidadania e da democracia no Brasil. Sua plena implementação, no entanto, continua um desafio diário. Dos 27 estados brasileiros, até à data apenas 16 regulamentaram a lei, de acordo com a pesquisa da ARTIGO 19. Os Estados em falta são: Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Rio grande do Norte, Roraima, Sergipe e Tocantins. No que diz respeito às capitais de estado, 15 ainda não regulamentaram a LAI, incluindo Brasília.