O Observatório da Comunicação Comunitária foi criado pela ARTIGO 19 com o duplo objetivo de, por um lado, produzir dados e análises relacionados aos desafios que o setor tem que enfrentar e, de outro, valorizar os veículos de comunicação comunitária.
Para esta finalidade a ARTIGO 19 elaborou uma pesquisa de jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais da 1ª, 2ª, 3ª, 4ª e 5ª Região, com o intuito de analisar como estes Tribunais têm julgado questões envolvendo a radiodifusão comunitária.
A pesquisa resultou no Relatório Final da Pesquisa Jurisprudencial Radiodifusão Comunitária sob a Perspectiva do Poder Judiciário Tribunal Regional Federal da 1ª, 2ª, 3ª, 4ª e 5ª Região.
O primeiro ponto a destacar do relatório é a existência de debate nos tribunais quanto à lei adequada para o indiciamento das rádios comunitárias. Isto porque existem dois dispositivos semelhantes que determinam penas diferentes: o artigo 70 do Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/62), que impõe a pena de detenção de um a dois anos, e o artigo 183 da Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.427/97), que estabelece a pena de detenção de dois a quatro anos. Ambas as leis determinam o aumento de metade da pena se houver dano a terceiros.
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região entende que o artigo 183 da Lei 9.427/97 revogou o artigo 70 da Lei 4.117/62, devendo ser o mais recente aplicado. Já o entendimento dos desembargadores do TRF da 5ª região é de que as rádios comunitárias não devem ser regidas por leis penais, visto que configura somente ilícito administrativo, não se aplicando nenhum dos dispositivos. Caso não se trate de rádios comunitárias o entendimento deste Tribunal é de que se aplica a lei 4.117/62, por ser mais benéfica ao réu.
No TRF da 3ª Região observou-se maior incidência da aplicação do artigo 70 da Lei 4.117/62, diferenciando-se as rádios clandestinas das comunitárias e aplicando este diploma, por ser mais ameno, às comunitárias.
O TRF da 4ª Região, por sua vez, tem aplicado com certa frequência o Princípio da Insignificância, por entenderem que os aparelhos de radiodifusão que operavam sem licença e na frequência das rádios denunciadas na ação penal não representavam um dano efetivo aos demais serviços de telecomunicação, uma vez que não apresentavam potencial lesivo aos sistemas de comunicação.
Um segundo ponto que vale ressaltar é a semelhança do entendimento dos tribunais quanto a possibilidade do Poder Judiciário intervir nos processos de concessão. Os Tribunais Regionais Federais da 1ª, 2ª, 3ª e 5ª Região entendem que não é possível o Poder Judiciário intervir na autorização das rádios, visto que compete ao Poder Público autorizar o serviço de Radiodifusão. O entendimento majoritário destes Tribunais é de que o Poder Judiciário pode, excepcionalmente nos casos de demora, intervir no sentido de fixar prazo razoável para que a Administração finalize o respectivo procedimento.
Os Tribunais entendem que a demora pelo Poder Executivo em analisar os pedidos de outorga não constituem violações ao direito à liberdade de expressão, nem à liberdade de pensamento, pois conforme entendimento majoritário externado: as garantias previstas nos arts. 5º , IX, XIII e XIV, e 220, §1º, da Constituição Federal devem ser interpretadas em consonância com outras normas da Lei Fundamental, especialmente com as constantes dos seus arts. 21, XII, “a”, e 223.
Contudo, uma visão diferenciada é ventilada no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, isso porque diante de injustificada demora do Ministério das Comunicações para a concessão das licenças de radiodifusão, os desembargadores entenderam que a demora na análise desses pedidos representava afronta aos princípios da razoabilidade e da eficiência, sendo assim justificável a intervenção do judiciário na seara administrativa para a concessão das referidas licenças.
Por fim, outro ponto de convergência entre os tribunais diz respeito à conceituação dos crimes descritos no artigo 183 da Lei 9.472/97 como crimes de perigo, isto é, predomina nos TRF’s o entendimento de que para a consumação de tais crimes basta a comprovação de funcionamento clandestino da rádio, sem prévia autorização do Poder Público, isto é, não há que se analisar os fins sociais da transmissão e se o aparelho transmissor for de baixa potência.
A pesquisa de jurisprudência realizada nos Tribunais Regionais Federais nos mostra que embora exista, em menor escala, decisões inovadoras e que abrem novos panoramas para a jurisprudência a cerca da radiodifusão comunitária, a maioria das decisões transparece um conservadorismo destoante dos princípios democráticos e dos padrões internacionais, que muitas vezes não leva em consideração a importância das rádios comunitárias para a sociedade, principalmente para os setores mais carentes dela.
Nota-se, também, uma grande incidência de decisões “padrão”, uniformes, o que demonstra que não há, muitas vezes, uma analise aprofundada do caso. Estas decisões recorrentes são também um entrave a uma possível inovação no modo com que o judiciário enxerga as rádios comunitárias.
Para conhecer mais sobre a pesquisa, veja: https://artigo19.org/jurisprudencia/