Por Jamila Venturini, especial para a ARTIGO 19
Esse ano, a cidade de Cachoeira Dourada, no interior de Goiás, se somou às celebrações da décima edição do Dia Internacional do Direito à Saber, comemorado todos os anos no dia 28 de setembro. As atividades, promovidas pela ONG Transparência Cachoeirense, consistiram em uma série de palestras sobre a importância do direito de acesso à informação e contaram com a participação dos três candidatos à prefeitura da cidade, que apresentaram suas propostas em um colégio estadual da cidade.
A ideia foi aproveitar a ocasião para promover o voto consciente durante as eleições municipais. “O povo tem o direito a saber quais as propostas de cada candidato e sua capacidade de administrar”, conta Sélio Moreira da Silva, presidente da ONG. Cada candidato levava consigo os vereadores de sua coligação, que também tinham a oportunidade de apresentarem-se, e depois de exporem seus planos de governo ouviam as opiniões e perguntas dos estudantes. “Foi excelente, antes ninguém discutia planos de governo nas eleições”, comemora.
A conquista da opinião pública
A atividade é uma das diversas ações que a Transparência Cachoeirense vem promovendo nessa cidade de 8.254 habitantes (IBGE/Censo 2010). A ONG foi criada há quatro anos por um grupo de cidadãos preocupados com a qualidade de vida em Cachoeira Dourada. O município tem uma renda per capta de mais de 40 mil reais (IBGE/2009) e, apenas em 2011, recebeu R$1.332.881,76 de repasses do governo federal. Apesar disso, segundo Moreira, a cidade não se desenvolve e sofre com problemas como o alto consumo de drogas entre os jovens e a prostituição infantil. “O município arrecada muito, mas é muito mal administrado, há muito desvio de verbas”, explica.
A inspiração para a criação da ONG, que ocorreu em maio de 2008, veio dos trabalhos da Amarribo e da Transparência Capixaba, organizações que o grupo conheceu pela Internet.
Inicialmente o surgimento da Transparência Cachoeirense foi visto pela população local como mais uma tentativa de obtenção de benefícios privados a partir do poder público. “Pensavam que éramos mais um grupo que queria extorquir os políticos”, comenta Moreira. No entanto o tempo mostrou que não era assim.
Nos últimos quatro anos, não só a popularidade da ONG, mas também seus membros têm aumentado. “Tínhamos em torno de 13 membros até setembro passado e em nossa última reunião se acrescentaram sete novos membros”, conta.
A poucos dias das eleições, prefeito é afastado
Segundo Moreira, durante seus quatro anos de existência, a Transparência Cachoeirense enfrentou uma das administrações municipais mais corruptas de Cachoeira Dourada.
Nesse período foram denunciadas ao Ministério Público (MP) evidências de desvio de verbas do Fundeb (Fundo de Manutenção da Educação Básica), transferências indevidas, pagamentos a um contador que não prestava serviços ao município, entre outras. No total foram cerca de 50 representações feitas ao MP por desvio de verbas.
O atraso no pagamento de funcionários públicos gerou uma forte insatisfação na cidade e, com o estímulo da Transparência Cachoeirense e as denúncias do Sintego (Sindicato dos Trabalhadores em Educação no Estado de Goiás), foi criada na Câmara dos Vereadores uma CPI para a investigação de desvios do Fundeb. No última dia 1º de outubro de 2012, seis dos nove vereadores do município decidiram pela cassação do mandato do prefeito, Robson Lima (PSB), que se encontrava afastado do cargo desde agosto. O ex-prefeito já sofre duas ações de improbidade administrativa. O caso dos desvios do Fundeb foi encaminhado ao Ministério Público Federal para investigação.
Ameaças não amedrontam
Apesar do sucesso em investigar indícios de irregularidades na administração pública, conseguir informações e documentos dos órgãos públicos não é nada fácil para os membros da Transparência Cachoeirense. É comum que se tenha que apelar a outros meios para obter informações.
Em um dos casos, por exemplo, nem a atuação da Justiça convenceu o poder público a fornecer as informações solicitadas. Depois de um mandado de segurança contra a Prefeitura e a Câmara dos Vereadores, esta forneceu apenas dados parciais e foi condenada a pagar R$600 de multa por dia em que não oferecessem o total das informações solicitadas. Além disso, o MP entrou com uma ação de improbidade administrativa contra o presidente da Câmara por não fornecer informações à ONG.
As dificuldades, porém, não param por aí. Sélio Moreira da Silva sofreu uma ameaça de morte do mesmo vereador que agora é o atual presidente da Câmara. Trata-se de um radialista de uma rádio comunitária que fez uma campanha direta contra a Transparência Cachoeirense no momento em que esta investigava o uso ilegal do maquinário da Prefeitura para fins eleitorais. Em duas ocasiões foram feitas ameaças pela rádio citando exemplos de pessoas que morreram por denunciar o desvio de verbas.
Ele já sofreu cerca de cinco ameaças diretas ou contra sua família desde que começou a atuar na cidade. Em uma ocasião, afirma Moreira, quando estava a caminho de Itumbiara, que fica a cerca de 50 km de distância de Cachoeira Dourada, chegou a ser perseguido por uma das pessoas que denunciou, um comerciante da cidade que ameaçava sua família pela Internet.
“Tudo isso nos amedrontou em partes, mas não paralisou o nosso trabalho”, conta. Segundo ele, todas as ameaças foram devidamente denunciadas à Justiça e publicamente. Para ele, essa é uma maneira de combater esse tipo de atitude e de se proteger contra essas pessoas. “Se a gente sofrer alguma coisa, as pessoas já estão sabendo”, diz.
Vontade de saber e de participar
Além das ações de controle social, a ONG criou um boletim impresso que é distribuído mensalmente aos moradores de Cachoeira Dourada. São entre 500 e 1000 exemplares que trazem informações sobre a cidade e as atividades da Prefeitura, assim como artigos conscientizando a população sobre seus direitos.
Trata-se de uma alternativa aos jornais locais que, segundo Moreira, estão comprometidos com a Prefeitura. “Eles só publicam o que agrada ao prefeito e à Câmara”, explica. Ele conta que mesmo oferecendo um pagamento pela divulgação de uma matéria sobre os direitos da população e os desvios de dinheiro público, por exemplo, ela não foi publicada.
Para ele, o boletim também foi um instrumento importante para conquistar a opinião pública em Cachoeira Dourada. “O povo começou a ter interesse em saber porque se gastava tanto em certas coisas e outras menos”.
Há cerca de um ano criou-se o blog da ONG, que já tem mais de 22 mil acessos. “É a principal fonte de informação sobre os acontecimentos da cidade”, conta Moreira.
No período pré-eleitoral, a popularidade dos meios de comunicação da ONG estimulou a criação de duas páginas no Facebook: uma para discutir as eleições de 2012 – devido à demanda de participação dos usuários da rede – e outra para divulgar os trabalhos e as investigações da Transparência Cachoeirense, sem que ela se envolvesse na discussão política partidária. Para o presidente da ONG, a multiplicação dos canais online é resultado da sede de informação das pessoas. “Elas querem discutir”, conclui.
Para Moreira, a maior conquista da Transparência Cachoeirense desde sua fundação foi a conquista (conquistar) da opinião pública em favor da ONG e a conscientização das pessoas sobre seu direito de saber o que está acontecendo na cidade e de se expressar sobre esses acontecimentos livremente. “Antes o povo não se interessava pelo que acontecia com o dinheiro público e esse trabalho despertou a consciência e a cidadania nas pessoas”.
Para ele, o afastamento do prefeito da cidade também foi emblemático para que as pessoas se conscientizassem sobre a importância de se organizarem para cobrar seus direitos. “Todo o mundo quer saber o que está acontecendo: por que está atrasando pagamento? Por que não teve lanche na escola?”, conta. “O povo entendeu que se não se for com união, não consegue cobrar seus direitos”, finaliza.