Por Jamila Venturini, especial para a ARTIGO 19
Foi do desejo de um grupo de pessoas de melhorar a cidade em que viviam que nasceu, em 1999, a Amarribo. Atualmente uma das mais importantes organizações de controle social do Brasil, a ONG pretendia inicialmente melhorar a qualidade de vida na cidade de Ribeirão Bonito, no interior de São Paulo, e torná-la um lugar mais agradável. “A gente queria trazer emprego pros jovens, trazer o turismo para a cidade e se desenvolver economicamente”, conta Lizete Verillo, diretora de combate à corrupção da ONG.
Isso poderia parecer uma tarefa simples em um município de apenas 12.135 habitantes (IBGE, 2010), mas não foi, já que os problemas encontrados nos serviços públicos da cidade estavam intimamente ligados à má gestão dos recursos. Em pouco tempo, o grupo se deu conta de que não havia interesse do Executivo local em atuar em parceria com a ONG. Além disso, começaram a surgir denúncias anônimas de corrupção que eram deixadas nas portas de suas casas ou no pára-brisas de seus carros. “Ficamos num impasse porque estávamos impossibilitados de fazer as coisas que queríamos fazer e ao mesmo tempo havia denúncias de corrupção chegando a nós.”
A decisão foi de investigar. O grupo seguiu coletando provas e conseguiu descobrir um esquema de desvio de dinheiro através de fraudes em licitações e recebimento de notas fiscais fictícias envolvendo o então prefeito da cidade, Antônio Buzzá (PMDB), e mais quatro funcionários da prefeitura. Buzzá foi cassado e condenado a ressarcir aos cofres públicos em R$ 41 mil (divididos entre os cinco acusados). Além disso, teve seus direitos políticos suspensos por oito anos. O caso foi destaque em todo o Brasil e o papel da Amarribo, fundamental para a descoberta das fraudes na prefeitura, foi reconhecido e repercutido nacional e internacionalmente.
Em 2008 foi a vez de Rubens Gayoso Júnior (PT), cassado pela Câmara Municipal após denúncia da Amarribo e de 156 eleitores que apontavam irregularidades em um contrato firmado com um jornal da região que era utilizado para fazer propaganda pessoal do prefeito e de sua administração.
Hoje a ONG é a representante brasileira da Transparência Internacional, organização que tem como missão erradicar a corrupção do mundo.
Um caminho repleto de desafios
A decisão de investigar denúncias de corrupção em um município brasileiro ainda implica uma série de desafios que podem colocar em risco a vida ou a integridade física e psicológica daqueles se propõem a fazê-lo. Até se tornar uma referência internacional no combate à corrupção a Amarribo percorreu um caminho que não foi nada fácil.
Lizete conta que quando começaram o trabalho de investigação de irregularidades em Ribeirão Bonito os membros da Amarribo sofreram diversos tipos de ameaças públicas e veladas. Um deles chegou a ter seu carro coberto por ácido, outros sofreram tentativas de atropelamento nas ruas da cidade e havia ainda chamadas telefônicas por meio das quais os agressores tentavam aterrorizar suas famílias. Mesmo com a visibilidade que a Amarribo adquiriu nos seus anos de trabalho, ainda hoje seus membros ocasionalmente sofrem ameaças por telefone ou em público.
Infelizmente, esse tipo de risco não é exclusividade de Ribeirão Bonito ou do estado de São Paulo. São diversos os ativistas que já foram ameaçados e neste momento, por exemplo, um deles encontra-se sob proteção fora de sua cidade depois de ser agredido publicamente.
Tratam-se em todos os casos de tentativas de limitar a ação dessas pessoas em claros atentados contra sua liberdade de expressão. Isso se torna mais comum em municípios que recebem pouca atenção dos meios de comunicação nacionais, pois os agressores, muitas vezes apoiados em uma rede de poder local, creem que seus atos passarão impunes. A situação é complexa, uma vez que inibe a atuação de outros cidadãos na cidade e, como consequencia, dificilmente consegue gerar uma comoção regional capaz de pressionar por ações concretas no combate à essas ações.
Uma forma que tem sido usada para enfrentar esse e outros desafios é a divulgação e o intercâmbio de informações sobre agressões através da internet ou de meios de comunicação independentes próprios. Além disso, a criação de uma rede nacional de ONGs de controle social foi também importante para a visibilização desses casos e a mobilização de forças para combatê-los.
Rede nacional para combate à corrupção
Até conseguir a cassação do prefeito e a punição dos responsáveis pelo esquema de corrupção em Ribeirão Bonito, o grupo de voluntários que constituía a Amarribo teve muito trabalho: coletar provas; denunciar as irregularidades encontradas às autoridades competentes (Promotoria de Justiça, Tribunal de Contas do Estado, Câmara Municipal) e mobilizar a população através de folhetos informativos, reuniões estratégicas com lideranças locais e até de uma projeção em praça pública sobre o que ocorria na cidade.
Como o trabalho que faziam era pioneiro, havia poucos interlocutores com quem trocar experiências. “Nós fizemos coisas estratégicas que ao mesmo tempo eram empíricas, ninguém sabia se ia dar certo”, conta Lizete. Deu. E depois disso a Amarribo resolveu encorajar e auxiliar cidadãos de todo o Brasil a criarem entidades para o controle social da administração pública. Para isso, foi lançado o livro “O combate à corrupção nas prefeituras do Brasil” (que pode ser encontrado na íntegra aqui) e organizaram-se palestras e canais para assessorar as novas associações. Hoje a rede Amarribo conta com mais de 200 membros.
O acesso à informação sobre como identificar casos de corrupção, além de incentivar a atuação dos cidadãos, foi importante para facilitar o trabalho de investigação e denúncia. Lizete conta o caso de Januária (MG), onde em apenas três meses a organização local, Asajan, conseguiu cassar um prefeito corrupto da mesma maneira que a Amarribo havia feito anteriormente só que em dois anos. A jurisprudência formada ao longo desses anos em Ribeirão Bonito e em outras cidades, como Januária, tem servido de exemplo e tem sido utilizadas por diversas entidades.
Lizete recorda que no começo todos trabalhavam voluntariamente. Eram advogados, professores, empresários, contadores, todos com o “desejo de ver prosperar o desenvolvimento com ética, respeito ao próximo e exercício da cidadania”. Foram vários os desafios com que o grupo se deparou no início, principalmente com a exposição que tiveram no momento de denunciar à população as irregularidades que ocorriam na prefeitura, quando havia riscos e ameaças. Além disso, nesse momento enfrentavam também dificuldades em obter informações da administração pública. Muitos documentos vinham incompletos e omitiam justamente as provas dos atos de corrupção.
Hoje em dia a Amarribo já não sofre problemas para acessar informações no município, que conta inclusive com uma sala de transparência, um espaço localizado na própria Prefeitura onde qualquer cidadão pode acessar um sistema com informações importantes sobre a gestão das contas da cidade. No entanto, Lizete reconhece que essa não é a situação da maioria das ONGs de combate à corrupção da rede. Ela acredita que com a aprovação da Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011) e com a entrada em vigência da Lei de Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010) essa situação deve melhorar. “Em 3 ou 4 anos vamos ter uma mudança brutal na forma de relação da sociedade com o poder público”.
Cultura de controle e participação social
Desde a cassação do primeiro prefeito em Ribeirão Bonito e da formação da rede, a participação cidadã e o monitoramento da administração pública tem crescido muito, porém com grandes dificuldades. A maioria das entidades de combate à corrupção da rede Amarribo são compostas por voluntários que exercem ao mesmo tempo outras tarefas e, por isso, têm grandes dificuldades de agenda. Lizete, que participa de dez ONGs, conta que muitas vezes não consegue acompanhar todas as reuniões. “São poucas pessoas muito engajadas que participam bastante quando poderia haver mais pessoas”, reflete. “Falta uma cultura de participação”. Para ela, isso ocorre porque faltam espaços de debate e informação sobre questões como ética, cidadania e participação social. “No geral as pessoas não vêem necessidade de participar até que ela bata na sua porta”.
A Amarribo têm criado espaços para estimular essa cultura. Um deles é a Amarribo Júnior, criada em Ribeirão Bonito com o objetivo de formar e envolver a juventude no acompanhamento e monitoramento da administração pública municipal. Para Lizete, temas como ética, cidadania e participação deveriam ser parte do currículo escolar desde a infância.
Os meios de comunicação também são um importante espaço de formação nesse sentido e pode ser mais explorado. Lizete reconhece que a imprensa teve um papel importante na divulgação do trabalho da Amarribo, mas que essa situação não se repete para as mais de 200 ONGs de controle social que existem atualmente no Brasil. Elas não têm a mesma facilidade que a Amarribo tem hoje de acessar os meios de comunicação, além disso, a Amarribo já ganhou uma certa independencia de informação em seus canais próprios.
Por outro lado, sites e blogs tem cumprido um papel importante nesse sentido ao inserir jovens e outros públicos nesses debates. “Estamos vivendo um processo de transformação grande que está até forçando a imprensa a mudar também”, comenta Lizete. Nesse sentido, faz parte da estratégia de comunicação da Amarribo divulgar em seu site, www.amarribo.org.br, atividades e notícias de outras ONGs da rede como forma de aumentar sua visibilidade, uma vez que ele conta com um grande número de visitas nacionais e internacionais e tornou-se também referência para os meios de comunicação quando se trata de combate à corrupção nos municípios.
Combate à corrupção no Brasil e no mundo
Como representante brasileira da ONG Transparência Internacional, a Amarribo ampliou suas atividades e se dividiu para seguir o trabalho em prol do desenvolvimento sustentável e da participação cidadã em Ribeirão Bonito e, ao mesmo tempo, atuar nacional e internacionalmente no combate à corrupção. “Ribeirão Bonito encontrou seu caminho e agora Amarribo tem uma contribuição pra dar fora de lá”, explica Lizete.
Em 2011, a ONG enviou um informe à ONU sobre a implementação da Convenção Interamericana Contra a Corrupção (a íntegra pode ser encontrada aqui) no qual avaliou os avanços do país nessa área desde a adoção da Convenção e os desafios que ainda permanecem. Esse ano, junto com outras organizações, a Amarribo organiza a 15ª Conferência Internacional de Combate à Corrupção (XV IACC), que ocorre em Brasília em novembro (saiba mais no site da conferência).
A nova fase, porém, implica novos desafios e um dos principais é relativo a sua sustentabilidade financeira. Com a visibilidade dos casos de afastamento de prefeitos corruptos em Ribeirão Bonito, a ONG conseguiu apoio da Fundação Avina por cinco anos. Atualmente, porém, não contam com financiamento para projetos ou para sua sustentabilidade. O apoio que têm da Controladoria Geral da União (CGU) é destinado exclusivamente para a realização da XV IACC.
“Acredito que há um risco grande de esvaziamento da Amarribo depois desse evento”, confessa Lizete. “As organizações [financiadoras] preferem destinar recursos à criança, adolescente, drogas, meio ambiente, mas não para o combate à corrupção”, conta. Segundo ela, no processo de busca de recursos, a ONG já chegou a receber sugestões para mudar o tema da organização para cidadania e retirar a palavra corrupção.
Por um lado, essa situação se insere em um contexto mais amplo de redução do apoio e financiamento internacional a entidades brasileiras de maneira geral, por outro, como enfatiza Lizete, há uma dificuldade específica das entidades de controle social e combate à corrupção. Muitas delas trabalham com voluntários e dependem dos recursos de seus membros para cobrir eventuais despesas. “A maioria não sabe captar, não sabe promover eventos. Têm muita vontade, mas necessitam formação, empoderamento, informação”, opina.