ADAMA: bloqueio de informações e impunidade dificultam controle social no interior do Paraná

Por Jamila Venturini, especial para a ARTIGO 19

 

Há quase um ano a Associação de Amigos de Mandaguari (ADAMA) não tem respostas aos requerimentos de informação que envia à prefeitura. A associação, criada em 2005, acompanhava uma licitação para shows pirotécnicos no valor de R$ 51 mil quando começou o bloqueio.

“Soubemos que Maringá havia feito um show por R$ 5 mil e outro por R$ 7 mil e queríamos saber quantos Mandaguari pretendia fazer com esse dinheiro”, conta Elza Martelli Xavier, atual presidente da ADAMA. Desde que as investigações chegaram a conhecimento público, a associação não teve mais acesso a nenhum documento solicitado à prefeitura. Suspeita-se que o prefeito, Cylleneo Pessoa Pereira Junior (PP), sentindo que sua imagem estava ameaçada, tenha ordenado a seus funcionários que não atendessem aos pedidos da entidade.

A ADAMA foi criada por iniciativa de Antônio Teixeira Veloso Neto, que lendo sobre a atuação da Amarribo, concluiu que Mandaguari (PR) também necessitava de uma entidade que acompanhasse a gestão municipal. Nesse momento havia denúncias de crimes eleitorais, perseguições e abuso de poder por parte do prefeito reeleito, Ari Stroher (PMDB), que teve seu registro de candidatura cassado em abril de 2005. A associação foi criada em fevereiro daquele ano e, desde então, tem uma importante atuação no controle social e combate à corrupção local e nacional. Atualmente, além de fazer parte da Rede Amarribo Brasil, a ADAMA integra a Rede de Observatórios Sociais  e o Instituto de Fiscalização e Controle.

O bloqueio de informações por parte da prefeitura, além de violar o direito de acesso à informação dos cidadãos e cidadãs mandaguarienses, garantido pela Constituição Federal e regulamentado pela Lei 12.527/2011, impede que a associação realize seu trabalho e investigue possíveis irregularidades na cidade.

 

Monitoramento para melhor gestão pública

Um dos trabalhos que se vê prejudicado pela ausência de informações é o monitoramento das licitações públicas. A ADAMA monitora a publicação de editais da prefeitura e – com a ajuda da Rede de Observatórios Sociais – faz a divulgação em veículos de abrangência nacional, de modo a atrair mais empresas para os pregões. O aumento da concorrência estimula a diminuição do valor final dos serviços ou bens e consequentemente gera economias para os cofres municipais.

Segundo estimativas da associação, entre maio de 2010 e dezembro de 2011, caso tenha efetivado os contratos com as empresas que ganharam as licitações, a prefeitura economizou mais de R$ 2 milhões em relação ao valor que estava disposta a pagar. A ressalva se deve ao fato de que, devido ao bloqueio de informações, não se pode acompanhar a execução dos serviços ou a entrega de bens. Entre os requerimentos negados – que ocasionaram a impetração pela ADAMA de um mandado de segurança contra a Prefeitura Municipal – estão: a relação das licitações, de servidores públicos, de empresas fornecedoras de bens e serviços, o acesso à entrega de bens e serviços, a lista de empresas contratadas pela prefeitura, os contratos sob convênio e uma relação de funcionários comissionados.

O advogado Márcio Augusto de Oliveira Santos identifica também outras dificuldades no trabalho de monitoramento das licitações. “Muitas vezes a prefeitura demora em publicar o edital, prejudicando o processo de divulgação através da Rede de Observatórios Sociais”, conta. Esta seria uma maneira de evitar a participação de novas empresas nas licitações e de privilegiar fornecedores habituais que, com isso, podem subir os preços.

 

Desvio de recursos na Câmara Municipal

A ADAMA é também uma das responsáveis pela descoberta de um esquema de corrupção que supostamente operava na Câmara Municipal de Mandaguari. A investigação começou em 2008, quando, depois de receber denúncias de desvio de dinheiro, a associação começou a protocolar pedidos de informação sobre contas públicas. Como estes não eram respondidos, impetrou-se um mandado de segurança que resultou num mandado de busca e apreensão, já que a Câmara continuava negando-se a fornecer os documentos. Foram apreendidos na ocasião oito computadores e onze pastas de documentos com o objetivo de se obter informações sobre a movimentação financeira da Câmara.

Por determinação do juíz da comarca, Devanir Cestari, a ONG teve acesso às cópias de mais de 2 mil cheques emitidos pela Câmara Municipal, que haviam sido solicitados diretamente aos bancos responsáveis pelos pagamentos. Os cheques foram analisados e identificaram-se inúmeras suspeitas de irregularidades, compiladas em um relatório. Estima-se que, por mês, eram desviados entre R$ 30 mil e R$ 40 mil dos cofres públicos municipais. “Para uma cidade de apenas 33 mil habitantes, como Mandaguari, esse valor é extremamente significativo”, destaca Elza.

Desde que o caso chegou a conhecimento público, os dois maiores suspeitos de comandar os desvios foram afastados da Casa: a contadora Junko Higuti Miyazawa e o ex-vereador Romualdo Pereira Velasco (DEM), que era presidente da Câmara na ocasião e não se reelegeu.

“A Câmara começou a ter um saldo financeiro maior e no prazo de dois anos conseguiu economizar aproximadamente R$ 1 milhão, que foram usados para a construção de seu prédio”, destaca Elza. Em 64 anos de existência a Câmara Municipal de Mandaguari não possuía um prédio próprio para seu funcionamento.

 

Impunidade e indignação

O relatório produzido pela entidade com as denúncias e suspeitas de irregularidades foi encaminhado ao Ministério Público, à Delegacia de Polícia Civil, ao Tribunal de Contas do Paraná e aos vereadores que tomaram posse no ano seguinte. Apesar disso, em quase quatro anos não houve o trâmite desejado e as denúncias não chegaram sequer ao Judiciário.

“É um absurdo que a sociedade civil se una e faça um trabalho de investigação que resulta num relatório de 1200 páginas e as autoridades não se mobilizem nem para encaminhá-las à Justiça”, desabafa Elza. Para ela, isso faz com que as pessoas se sintam menosprezadas, desvalorizadas e até desmotivadas. Ela ressalta que todo o trabalho da associação é voluntário.

Caso não sejam logo encaminhados, vários crimes, se confirmados, correm risco de prescrição. Se isso acontecer, os acusados poderão seguir atuando impunemente. Além disso, cria-se um círculo vicioso e a corrupção passa a ser indiretamente incentivada, uma vez que se sabe que não haverá punições ainda que as irregularidades sejam descobertas.

 

Desafios cotidianos

Além das dificuldades no acesso à informação e da morosidade da justiça, a entidade enfrenta desafios cotidianos que vão desde o despreparo de gestores públicos, até o receio da população em se envolver com entidades de controle social por medo de represálias. “A maioria das pessoas teme sofrer perseguição em seus negócios, trabalho e de ameaças à segurança própria e de seus familiares. Muitos não agem por medo”, conta Elza. Algumas das empresas que apoiam a ADAMA, por exemplo, preferem não se identificar.

Outro problema que há na cidade é a dificuldade de acesso aos meios de comunicação locais, que seriam importantes para a conscientização e mobilização dos cidadãos e cidadãs. Para Márcio Augusto, “não há imprensa livre em Mandaguari”. Segundo ele, as rádios locais e um jornal semanal estão, possivelmente, relacionados a um mesmo grupo que está ligado ao poder político local. Isso inclui uma rádio comunitária que, em teoria, deveria estar aberta à participação pública. Elza ressalta que eventualmente a ADAMA utiliza estes veículos para a divulgação de seus eventos, mas que “em seus espaços só existe elogios à administração municipal e jamais questionamentos ou críticas”. Outra dificuldade é a produção de conteúdos: “eu sei que temos o direito de participar, especialmente da rádio comunitária”, diz Elza, “mas falta tempo e pessoal para exigir o espaço e produzir conteúdos”, desabafa.

A ADAMA possui atualmente 27 associados, sendo advogados, contadores, professores, empresários, aposentados, entre outros. Todos trabalham voluntariamente e contam com a colaboração de um estagiário remunerado da área de contabilidade. O local onde funciona a associação é cedido por um dos associados e, para cobrir com seus gastos, contam com aproximadamente R$ 1.500 mensais provenientes da mensalidade dos associados e da contribuição de empresários.

Os veículos de comunicação utilizados para a mobilização e divulgação de suas atividades são: a internet (através da página www.adama.org.br), um carro de som contratado eventualmente e panfletos distribuídos pelas ruas ou afixados em escolas, igrejas e ônibus. Elza destaca também a atuação de algumas igrejas que apoiam a associação divulgando suas atividades aos fiéis.

 

A luta continua

Apesar das dificuldades, a ADAMA segue em sua luta por uma gestão municipal mais eficiente e transparente. Recentemente a associação recebeu da Receita Federal regional de Maringá, produtos apreendidos por seus agentes de fiscalização, com os quais realizou um bazar. Os recursos financeiros arrecadados estão sendo utilizados para melhorar a estrutura da organização e com isso aprimorar ainda mais o seu trabalho.

Além disso, em parceria com a ONG Artigo 19, está distribuindo folhetos conscientizando a população sobre a Lei de Acesso à Informação e leis estaduais que obrigam as instituições públicas do Paraná a criarem Portais de Transparência. A entidade também acompanha a Conferência Nacional de Controle Social (Consocial) e participará da etapa nacional em Brasília.

No município, seguem realizando palestras e encontros para a apresentação de materiais audiovisuais, concursos de redação e outras atividades de mobilização. Em conjunto com a Artigo 19, realizam-se eventos para mais de 400 pessoas de Mandaguari e cidades da região para que se discuta o direito de acesso à informação e a construção da cidadania. “Queremos transformar a indignação em ação”, conclui Elza.

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