As usinas Santo Antonio e Jirau são grandes empreendimentos da região amazônica brasileira que têm gerado um significativo impacto social e ambiental sobre as comunidades afetadas, inclusive violações à liberdade de informação e ao direito à expressão. Entre 03 e 10 novembro, a ARTIGO 19 realizou uma missão na região das obras. Conversamos com a população local, pessoas afetadas, comunidades indígenas, trabalhadores e defensores dos direitos humanos. Constatamos que as pessoas não estavam bem informadas sobre as construções, não foram devidamente consultadas sobre as obras e não tiveram (e não têm) oportunidades adequadas para expressar suas opiniões nos processos decisórios.
O direito internacional, incluindo os Princípios do Rio 1992, versa que um ambiente favorável à liberdade de expressão para mega-projetos de desenvolvimento deve garantir: 1) acesso a informações sobre os projetos; 2) oportunidades para os grupos afetados para expressar suas ideias e opiniões; 3) que as informações, ideias e opiniões são considerados nos processos de tomada de decisões.
Ao contatar a população local e pessoas diretamente atingidas pelas obras, a ARTIGO 19 constatou que não há fontes confiáveis de informação facilmente acessíveis. A principal fonte de informações é familiares e vizinhos. A consequência é que as pessoas não têm certeza das informações e nem do que acontecerá com elas em um futuro próximo. Ainda, foi reportado à ARTIGO 19 dificuldades de acesso a documentos sobre os processos de implantação e compensação das obras, como os laudos individuais de indenização. De acordo com as organizações consultadas, os estudos oficiais de impacto ambiental não foram bem feitos, com informações superficiais e sem tradução para as línguas indígenas. A população envolvida com os empreendimentos (atingidos, trabalhadores, população residente no distrito das obras) teve dificuldade de acesso aos meios de comunicação (internet, tv, rádio, celular). Ainda, as estratégias de comunicação adotadas pelas empresas construtoras não levaram em consideração as necessidades de informação de cada segmento de público – quando não foi usada para inibir posições contrárias às obras. Também identificamos que as informações oficiais produzidas acerca das obras são imprecisas.
Com relação à oportunidade de expressão de ideias e opinião, não foram feitas consultas aos povos indígenas, conforme previsto na convenção 160 da OIT. Houve 4 audiências públicas, mas foi relatado para a ARTIGO 19 que foram processos de legitimação de uma decisão previamente tomada e não um espaço para discordância e apresentação de contraditórios. A ARTIGO 19 identificou uma estrutura de negociação individual bem estabelecida. Por outro lado, há inibição da organização de pautas e demandas coletivas, bem como dificuldades para estabelecer diálogo sobre essas reivindicações. Inclusive, são utilizados diversos mecanismos – que vão desde decisões judiciais preventivas até o uso de força policial – para inibir manifestações com relação às obras. Ainda, no distrito mais impactado pelas obras, a ARTIGO 19 identificou que as pessoas não têm segurança para conversar umas com as outras e trocar informações, sem medo de que isso vai prejudicá-las de alguma forma – seja pelo crime organizado instalado no local por causa das obras ou nos processos de negociação pelas medidas de compensação.
Por fim, a ARTIGO 19 constatou que informações, ideias e opiniões plurais estão sendo consideradas de forma insuficiente nos processos de decisão. Por exemplo, informações acerca de prostituição infantil no distrito de Jacy-Paraná acarretaram em algumas medidas (não suficientes) para a mitigação desse impacto social das obras. Entretanto, informações acerca de uma chacina motivada por interesses relacionados às compensações não foram suficientes para adoção de medidas eficazes para combater a atuação esse grupo organizado na localidade – grupo esse que atenta contra os direitos fundamentais das pessoas daquela localidade, incluindo de liberdade de expressão. Com relação aos mecanismos adotados para a consideração de ideias e opiniões, a ARTIGO 19 constatou a criação mesas de diálogos com movimentos sociais adotadas recentemente pela usina Santo Antônio (mas ainda não por Jirau).
Considerando todas essas violações à liberdade de expressão e informações relatadas, o governo brasileiro deve garantir que os direitos à liberdade de expressão e informação dos afetados por tais projetos de desenvolvimento sejam respeitados e cumpridos, especialmente através da adequada prestação de informações durante todas as fases do projeto, organização de audiências públicas com aviso prévio adequado e com respeito às línguas locais e permitindo a participação efetiva desses grupos durante os procedimentos de licenciamento ambiental. O governo brasileiro também deve garantir que essas opiniões sejam levadas seriamente em consideração para determinar a viabilidade ambiental e social do projeto e identificar as medidas de compensação.